Quando a conta não fecha, a maior parte das pessoas para e tenta achar o erro. Ninguém quer levar prejuízo na feira. Pode ser um real, mas, a gente abre a palma da mão para contabilizar as moedas. Ninguém quer tomar prejuízo, mesmo que tenha sido por falta de atenção ou imperícia matemática.
Porém, a conta do capitalismo, o modelo econômico ainda vigente, não fechou e nem vai fechar. Diferente da feira, aqui na vida, a maioria segue em um prejuízo consentido, fazendo vista grossa para aquele um real, porque, na real, ainda está no lucro. Só que não.
No final da Segunda Guerra, ainda com sangue nos olhos e um sorriso no rosto, os Estados Unidos entraram em outra missão. Um artigo do economista Victor Lebow sugeria que, para tirar melhor proveito do potencial econômico do país, o governo e a indústria deveriam transformar o estilo de vida das pessoas em uma grande máquina de consumo e fazer do ciclo comprar/usar/descartar um ritual de prazer físico, moral e espiritual. Só não digo que Lebow hackeou o sistema, porque naquele momento ele estava ajudando a escrever o “sistema” e definindo uma lógica de sustentabilidade para que o modelo prosperasse.
Modelos sustentáveis podem não trazer resultados de curto prazo tão expressivos, mas, a sua natureza holística e equilibrada – operada através de uma gestão pautada em observar, avaliar, planejar e agir de forma coerente – traz resultados positivos ao longo do tempo. Acontece que o modelo de Lebow não era genuinamente sustentável. Era transgênico; híbrido de capitalismo.
E assim como acontece com os transgênicos na agricultura, o problema é que não temos a certeza de que, no futuro, eles irão nos matar.
O problema do consumo desenfreado inserido no capitalismo é que ele acelerou uma máquina de transformações sociais e ambientais que atropelou qualquer noção de sustentabilidade em nome de uma economia pautada no lucro superlativo e no crescimento constante. Contudo, a ideia de ter crescimento constante em um planeta de recursos escassos é insustentável, não?
Quantas empresas você conhece que hoje estão planejando lucrar menos amanhã, calibrando a rota para o futuro e desenhando uma estratégia de desenvolvimento sustentável para o seu negócio desde já?
Provavelmente, não muitas…
O conceito de sustentabilidade requer a integração com o diverso e também a inclusão da complexidade. Por isso não é fácil e não virou moda (apesar de quase flertar com o cafona no mundo corporativo).
Esta natureza complexa, aliada a um determinado envolvimento político e econômico atual, que confere o grau de poder de uma organização, ainda mantém muitas pessoas jurídicas fazendo vista grossa, assim como as pessoas físicas que resolveram deixar para lá aquela conta que, diariamente, não fecha há muito tempo.
A Era das Tecnologias Sustentáveis
A tecnologia não é neutra e devemos evitar a hipnose dos seus encantos. Entre os oito homens mais poderosos do mundo estão dois emergentes bilionários da internet, além do veterano Bill Gates. Mas, lembre-se que tecnologia não tem só a ver com bits.
Na mesma época de Lebow, a promessa da Revolução Verde era uma produção de alimentos em abundância e a erradicação da fome. Porém, qual é o impacto da agricultura (ou agroindústria) hoje? Ainda no prelúdio da Indústria 4.0, muito se fala sobre dados, robôs e aumento de produtividade, mas pouco sobre o desequilíbrio social, econômico e ambiental diante disso.
Inovações em produtos, processos e modelos de negócio orientadas por uma agenda global de desenvolvimento sustentável são parte fundamental do caminho que levará as organizações, especialmente àquelas do segundo setor, à criação e ao compartilhamento de valor que o mundo precisa hoje, mais do que nunca.
Inspirações como as da Terceira Revolução Industrial e do Capitalismo Natural não faltam, mas o olhar particular sobre a herança da própria marca, as tensões sociais que afetam seus stakeholders (mais do que as tensões econômicas que afetam seus shareholders) e as externalidades dos seus produtos já bastam para um primeiro passo, uma primeira reflexão.
Sim, precisamos falar sobre o capitalismo sem os preconceitos e os estereótipos barbudos do século XIX que obstruem o diálogo sobre o novo, o diverso e o complexo. Não creio que outros modelos já propostos atendem às necessidades que temos enquanto uma sociedade de mais de sete, em breve dez bilhões de pessoas, em um planeta pilhado e quase pelado.
A sede em consumir à la Lebow, conduta inerente à corrida de ratos da vida moderna, impede muita gente de parar e perceber, mas o erro já apareceu. A conta não está fechando e precisamos parar de contar moedas, antes que a xepa seja tarde.