Por muito tempo,  imaginou-se que o turismo seria a única possibilidade de “marcarmos” um lugar, uma ideia que favorecia o hardware dos lugares, ou seja, seus aspectos físicos.

Era preciso que um lugar fosse “belo” para que pudesse ser trabalhado. Em outras palavras, se sua cidade não tivesse a beleza do Rio de Janeiro, de Paris, de Amsterdã ou de Estocolmo, você estaria fadado ao ostracismo ou a ser um destino “underground”. Nesse momento, como tudo girava em torno do turismo, ou os lugares eram destinos (belos) ou não eram destinos.

Foi preciso muito tempo e algumas crises econômicas globais para que esse conceito fosse revisto. Agora entende-se que o turismo é apenas um dos vetores e não o único vetor capaz de qualificar um lugar como uma marca-lugar.

Inovação e criatividade como vetores de crescimento

Aqui, nesse artigo vamos abordar um vetor de desenvolvimento bastante atual, menos glamoroso do que o turismo, mas provavelmente mais eficiente: a inovação.

Sim, essa ideia batida, tão usada e tão pouco explicada. Um termo que parece servir para tudo e ser desejado por quem quer que seja, independentemente do segmento de atuação, como se a inovação fosse a garantia suprema de sucesso.

Então, qual o papel da inovação na cadeia da economia criativa? Como se dá a sua relação íntima com a questão dos lugares? E o que é economia criativa?

No caderno de inovação da FGV/EASP, economia criativa é definida como “O conjunto de negócios baseados no capital intelectual, cultural e na criatividade, gerando valor econômico”. Hoje, segundo a mesma fonte, existem no país cerca de 243 mil empresas formais, empregando quase 1 milhão de pessoas e respondendo a 2,7% do PIB. Isso não é pouca coisa. O termo economia criativa surgiu no Reino Unido, onde John Howkins condensou a discussão a respeito do assunto no bestseller Economia Criativa “Como Ganhar Dinheiro com Ideias Criativas”, de 2001.

A economia criativa abrange todo o ambiente de negócios que existe em torno da indústria criativa, aquela baseada em bens e serviços criativos.” – Fonseca, Ana Carla

No manual de Oslo, inovação é definida como:

A implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas.”

Possivelmente a explicação mais simples e convincente para o conceito de inovação seja a do UK Innovation Report que diz: “Inovação é a exploração bem-sucedida de novas ideias”

Ou seja, não basta só uma boa ideia, ela precisa ser factível, implementada e gerar resultados positivos, econômicos ou sociais.

Mas o que isso tem a ver com o lugar?

O place branding é um processo que identifica vocações, potencializa identidades e fortalece lugares através do ponto de vista das pessoas. Dessa forma, fica fácil entendermos que um dos resultados tangíveis desse processo é a clareza a respeito dos possíveis vetores de crescimento econômico de um lugar.

Um exemplo usado em 100% das referências a um “lugar inovador” é o bom e velho Vale do Silício. Há que diga quem ele surgiu no começo do século XX, com os laboratórios associados à origem do rádio. Durante os anos 1940/50, o reitor da Universidade de Stanford incentivou professores e graduados a começarem suas próprias empresas, e muitas delas nasceram de fato no campus de Stanford.  Naquele momento, a universidade era a âncora desse lugar que se tornaria o mais famoso polo de inovação do planeta. De fato, o sucesso do Vale está intimamente relacionado com a universidade local – lá foi desenvolvido o Stanford Research Park, com instalações locadas para empresas de alta tecnologia.

Mas, certamente, o fator mais relevante em nada tem a ver com a localização geográfica ou com as características físicas do lugar, e sim com as empresas, ou melhor, com as pessoas que lá frequentam, e com uma vocação muito bem desenhada, que soube evoluir e acompanhar as novas necessidades dos novos tempos, e que pouco têm em comum com a era do rádio, que supostamente iniciou toda essa corrida.

Essa vocação clara, originalmente voltada para a tecnologia de ponta, criou um posicionamento inicial, ainda que orgânico, ou melhor, top-down, já que o reitor de Stanford decidiu quais empresas ele queria lá e pronto.

Mas a pergunta mais importante hoje é: são as marcas que estão no Vale que validam o lugar, ou é o lugar que valida as marcas? Isso tem importância? Talvez não. O fato é que o lugar ficou tão importante, que qualquer pessoa desejaria fazer qualquer coisa lá pra poder sentir-se ou dizer-se inovador, o que, de certa forma, valida o lugar como uma marca-lugar fortíssima, um “lugar de inovação” ou “o lugar de inovação”.

Foto de Caio Esteves

Construir um “lugar de inovação”

A inovação é um conceito sistêmico. Pouco adianta que existam meia-dúzia de empresas inovadoras num lugar sem os serviços necessários ao seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, isso não significa que esse ambiente não possa ser criado.

Uma vez identificada a vocação para a inovação, através de uma pesquisa profunda e de uma análise detalhada sobre o potencial local e regional e de um mapeamento de demandas e necessidades, um polo de inovação pode ser desenhado e criado. Nesse momento, o placemaking é uma ferramenta/processo essencial.

O placemaking é um conceito cunhado pela ONG norte-americana Project for Public Spaces (PPS) para definir os processos de desenho colaborativo de espaços públicos que levam em conta os desejos, interesses e necessidades das comunidades locais. Seus alcances foram estudados sob a perspectiva de diversos temas presentes em nossas cidades, como ecologia, psicologia, sustentabilidade, resiliência, entre outros.”

Sabe-se que o ecossistema criativo/inovador está intimamente relacionado com a juventude. Não que um quarentão não possa ser inovador, mas é da natureza do jovem o processo disruptivo, questionador, que, muitas vezes, leva à inovação. Sabe-se também que as novas gerações são cada vez mais pautadas pela difícil relação entre o seu próprio umbigo (aquilo que é bom para mim) e o propósito do que se faz (aquilo que é bom para o mundo). Sendo assim, não basta criarmos amontoados de prédios, desconectados das cidades. O próprio conceito de polo de inovação tende a ser mais ecossistêmico e, portanto, mais interligado com as cidades, mesmo a Apple criando seu novo campus, o Apple Park, totalmente voltado para dentro, o que faz algum sentido, já que a empresa de Cupertino não é exatamente famosa pelo seu traquejo social.

Diferente da Apple, a conexão entre empresas criativas com a cidade deve criar espaços públicos de qualidade, confortáveis, humanos, promotores do encontro. Essa é, inclusive, uma das oportunidades para as marcas que compõe a economia criativa criarem vetores de identificação com suas audiências, não só através de produtos e serviços, mas também da qualificação das experiências cotidianas de suas audiências.

Inovação e conexão

Um bom exemplo de como a inovação pode se relacionar com a cidade e, ao mesmo tempo, requalificar toda uma região é o projeto 22@Barcelona. Esse projeto transforma 200ha de área industrial em um distrito, com uma excelente infraestrutura e mais de 3 milhões de metros quadrados de espaços modernos, tecnológicos e flexíveis, para a concentração estratégica de atividades intelectuais.

As áreas em azul são as que sofreram intervenções do Plano 22@Barcelona, no Distrito de San Martí.

O projeto se alinha com a estratégia adotada pela cidade de “Barcelona, Cidade do Conhecimento”. Isso significa que, mesmo com o vetor poderoso do turismo, Barcelona ainda procura outros vetores de crescimento e fortalecimento, como a economia criativa, o que comprova que uma cidade resiliente não se apoia só em um segmento econômico.

Além da relação com a cidade, o 22@Barcelona tem outras características relevantes, como o seu uso misto, alinhado com a tendência mundial de se morar próximo ao trabalho, minimizando o tempo gasto com o percurso casa-trabalho, e sistemas de incentivo que favorecem as atividades que se caracterizam por utilizar o “talento” como principal recurso produtivo.

No bairro, é possível ver prédios “high tech” e ao mesmo tempo crianças brincando de amarelinha pintada no asfalto, em um desenho urbano que privilegia as pessoas e as bicicletas em vez dos carros.

Se tudo isso ainda não bastasse, a região ainda conta com âncoras fortes, como o Museu del Disseny, shopping center, centro cultural e ícones arquitetônicos marcantes como a Torre Agbar de Jean Nouvel.

Conclusão

Como quase tudo que envolve o planejamento urbano e a discussão das cidades, é preciso apropriar-se de uma perspectiva estratégica, sistêmica. Nem só a arquitetura, com seus ícones, nem só inversão de prioridades em relação aos modais de mobilidade, nem só políticas de incentivo, ou nem só o que quer que seja.

Foto de Caio Esteves

A economia criativa e a inovação são vetores de desenvolvimento econômico viáveis para muitos lugares, além de possuírem força suficiente para alavancar a retomada de bairros degradados, como vimos na Espanha e em diversos outros países. Um ponto importante a ser notado é que o pensamento sistêmico também é um elemento que conecta esses lugares às cidades. Parques tecnológicos são, segundo a definição de LOFSTEN & LINDERLOF, 2002:

Um ambiente que reflete a suposição de que a inovação tecnológica tem origem na pesquisa científica e que os parques podem fornecer o ambiente catalisador necessário para a transformação da pesquisa pura em produtos comercializáveis”

Parques, muitas vezes isolados dos centros urbanos, tendem a perder a conexão com a cidade, ligando-se prioritariamente às universidades e às empresas de forma secundária.

Nessa segunda década do século XXI, talvez seja a vez das “cidades criativas” ou “cidades inovadoras”, onde os conceitos centrais e de posicionamento não mais se concentram intramuros, mas ocupam uma região mais abrangente da cidade, que, ainda que delimitada a um bairro ou conjunto de bairros vizinhos, tem características mais permeáveis, mais integradas com o tecido urbano, onde os usos se misturam, onde a cidade pulsa. Afinal, você ainda quer dirigir quilômetros para chegar a uma área isolada, diminuindo sua possibilidade de convívio social, ou você prefere trabalhar dentro de uma cidade onde a vida acontece ao seu redor?

Ao mesmo tempo, o que esse seu lugar tem de especial enquanto lugar? Como ele se posiciona? A inovação é sempre igual? A criatividade é sempre igual?

Queremos ser o Vale do Silício de São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza etc., ou queremos entender como nós mesmos somos capazes de produzir inovação?

Cortesia da imagem da capa: Modacity

Caio Esteves

Caio Esteves é Global managing partner of placemaking na Bloom Consulting. Fundou em 2015 a Place For Us, a primeira consultoria especializada em Place Branding do Brasil que, em 2020, se juntou a Bloom Consulting. É também autor do livro Place Branding e co-autor da versão brasileira do livro Imaginative Communities.

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