O mundo do trabalho está em profunda reformulação, combinando as mudanças provocadas pela quarta revolução industrial e a quebra de muitos paradigmas em torno do porquê e do como trabalhamos. Esse processo não é novo, mas foi acelerado no último ano, especialmente devido à pandemia e à nova realidade que nos foi imposta. Por trazer ao debate questões enraizadas e há anos normalizadas, as mudanças não são consequências de apenas um fator, mas acontecem pela conjunção de uma série de eventos, que também se conectam entre si: são desde alterações de ordem política, econômica, social, ambiental e tecnológica até o surgimento de novas prioridades e necessidades dos indivíduos.
Em 2019, o Fórum Econômico Mundial (FEM) havia alertado para transformações iminentes, com destaque para a necessidade urgente de requalificação e do letramento digital para que as pessoas possam ingressar, atuar e se manter profissionalmente ativas em meio à revolução tecnológica e à crescente automação. Naquele ano, a CEO da IBM, Ginni Rometty, comentou: “quando falamos de uma crise de habilidades, realmente acredito que 100% dos empregos vão mudar”.
O Fórum Econômico Mundial aponta que pensamento crítico e solução de problemas estão no topo das habilidades previstas para ganhar importância nos próximos cinco anos. Essas duas habilidades têm sido constantes desde o primeiro relatório divulgado em 2016. Habilidades inerentemente “humanas” como criatividade, originalidade, iniciativa e liderança também aumentaram sua relevância. Nessa última lista (2020), apareceram novos itens como autogestão, aprendizagem ativa, resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade. Na minha visão, as três habilidades mais importantes dessa lista são: aprendizagem intencional, resolução de problemas complexos e pensamento inovativo e criativo.
Com tamanha expressividade, a revolução das competências leva – ou deveria levar – as companhias a investirem na educação de seus colaboradores, para que tanto os profissionais quanto os negócios possam acompanhar o ritmo das mudanças e sejam capazes de se manter relevantes. No entanto, existem ainda questões mais estruturais para lidarmos: o Relatório de Riscos Globais, também anunciado pelo FEM, em 2021, aponta para tensões políticas, sociais e ambientais que exigem que pessoas, empresas e governantes assumam novos papéis para evitar desafios ainda mais complexos daqui em diante. Organizações deverão reavaliar seus impactos e olhar para a contabilidade além do lucro. Assim, compromissos reais que incluem ações efetivas no sentido da diversidade, da equidade, da inclusão e das práticas sustentáveis vêm se tornando responsabilidades cada vez mais incorporadas pelo mundo dos negócios e seus líderes.
Do coletivo para o individual, a experiência do home office, o medo do desemprego, a preocupação com a saúde – inclusive a mental – geram novas demandas: a pirâmide de necessidades dos profissionais mudou. A busca por flexibilidade, autonomia e qualificação aumentou, colocando em foco o bem-estar e o desenvolvimento dos colaboradores, impactando toda a experiência das pessoas com a empresa. Com o suporte do People Analytics e a orientação People First (pessoas primeiro), essa atenção poderá chegar até mesmo a níveis personalizados, de acordo com o que cada funcionário precisa e deseja. As empresas também deverão gerenciar diversas modalidades de contratação para compor a força de trabalho, o que, em conjunto com o modelo híbrido (que combina o físico e o remoto) e a automação irrefreável, leva a uma outra forma de gestão de talentos e de estilo de liderança.
É nítido que todo esse contexto representa um grande desafio para empresas e suas equipes, e que são muitas as perguntas sobre quais caminhos seguir daqui em diante. Há muitos anos venho sendo provocada a pensar e repensar tendências e adaptações, e foi justamente neste momento crítico e acelerado que vivemos que essa provocação e inquietação se concretizou em uma parceria com O Futuro das Coisas e um grupo ímpar de profissionais para mapear e reunir as principais dinâmicas que estão ressignificando nossa forma de viver e trabalhar e, assim, ajudar outras pessoas a criar, agir e prosperar neste novo cenário.
Fruto de uma curadoria intensa e plural, lançamos mão de pesquisas, análises, muitas mentes brilhantes e trocas para produzir o estudo “Futuro do Trabalho: 20 tendências para você e sua empresa navegarem”, que apresenta os grandes movimentos da atualidade em cinco pilares principais cujos highlights descrevo a seguir:
1) Tendências demográficas
O mundo verá a pirâmide populacional se inverter. No Brasil, estudos do IBGE apontam que a população com mais de 50 anos crescerá de forma acelerada nas próximas décadas. Com o aumento dessa faixa etária, empresas precisarão rever sua composição da força de trabalho, focando em estratégias para superar o etarismo e ações que contemplem equipes multigeracionais – já que Boomers e geração X, Y e Z irão dividir, todos, o mesmo ambiente profissional e cada grupo, apesar de não ser uma regra, têm diferentes expectativas sobre o trabalho.
Além disso, vemos a ascensão feminina e a pauta de diversidade, equidade e inclusão bastante aquecidas. Em 2015, a pesquisa Diversity Matters, da McKinsey & Company, já trazia indicadores de que as empresas com diversidade racial, étnica e de gênero tinham maior propensão de alcançar retornos financeiros acima da média em seus respectivos setores. Com a pandemia aprofundando as desigualdades e afetando desproporcionalmente mulheres e pessoas de grupos historicamente menos favorecidos, somando-se aqui as tensões sociais, é a hora de organizações atuarem na construção de times com pluralidade de realidades e terem políticas sérias que zelem pela igualdade de oportunidades e de crescimento justas.
2) Ascensão das escolhas individuais
Novos comportamentos emergem, como a busca por mais liberdade e por maior flexibilidade nas relações de trabalho. Essa busca encontra ressonância com duas tendências: a expansão do trabalho remoto e da Economia Gig – tendência mundial de empresas que optam pela contratação pontual ou temporária de acordo com a flutuação da demanda. Essas duas tendências também ampliam o mercado de atuação dos nômades digitais. De acordo com a pesquisa O Futuro dos Trabalhadores, por Trabalhadores: um Próximo Normal melhor para todos (2020), a maioria prefere ir de 2 a 3 dias por semana ao local de trabalho; e 8 em 10 querem mais equilíbrio entre trabalho e família. A saúde também é uma preocupação evidente – e não somente a física. Com altos índices de depressão e casos de burnout, as empresas precisarão abraçar a saúde mental de seus colaboradores, oferecendo tempo, espaço e recursos para que eles se sintam confortáveis e estimulados a ter este cuidado. Outra missão que se refere às jornadas profissionais é o desenvolvimento de uma das principais habilidades para o século XXI: a aprendizagem intencional. Isso significa que precisaremos nos tornar aprendizes em tempo integral, buscando em cada experiência uma janela de crescimento.
As escolhas individuais também impulsionam a abordagem de trabalhadores como consumidores: assim como decidimos quais produtos e serviços vamos comprar com base na identificação com os valores das marcas, iremos, cada vez mais, focar na escolha de oportunidades em empresas nas quais confiamos e que trabalham de forma ética e transparente.
3) Novas configurações do trabalho
Enquanto existem setores em forte recuperação e até ascensão, especialmente aqueles ligados à tecnologia, outros estão em declínio, bem como empregos que podem ser substituídos pela automação. Atravessando o mais alto índice de escassez de talentos dos últimos anos, 94% dos líderes de negócios esperam que seus profissionais adquiram novas habilidades, de acordo com o relatório Future of Jobs 2020. Assim, as empresas têm como tarefa revisitar toda a gestão de pessoas, buscando novas formas de atraí-las e retê-las, criando ecossistemas de talentos conforme as demandas e as necessidades do negócio. Isso inclui também reorientar a composição de equipes, considerando que a força de trabalho tende a se fragmentar em profissionais permanentes, temporários e também máquinas.
As estruturas organizacionais também passam por um rearranjo, visto que, a partir do momento em que as empresas e os gestores de RH focam em habilidades – e não em descrições de cargo – as possibilidades de formar times colaborativos aumenta, eliminando os silos e incrementando as chances de criar inovações.
4) Revolução tecnológica
A transformação digital tem protagonismo na virada de página do mundo do trabalho. O Fórum Econômico Mundial projeta que, até 2025, as horas de trabalho realizadas por máquinas e por pessoas serão exatamente iguais. Aqui, o convite para as empresas é encontrar um “ponto ideal de como as máquinas e os humanos funcionam melhor juntos”. O verbo aqui é “combinar” ao invés de “isolar”, unindo as habilidades humanas e as máquinas inteligentes para resolver problemas, obter insights e criar novos valores.
A tecnologia deixa, então, de ser a realidade de um setor e passa a atravessar empresas de todo e qualquer mercado: seja na geração de novos produtos e serviços, seja para a implementação de soluções para o bem-estar dos colaboradores, ou para criar novas formas de interação no mundo phydigital (físico e digital). Além disso, a necessidade de alinhar tecnologia às estratégias de negócio se torna questão sobrevivência e premissa para a sustentabilidade das empresas no futuro. Aquelas que já investem mais em digitalização, competências da força de trabalho e inovação estão aumentando sua participação no mercado, adiantando-se com relação aos concorrentes e beneficiando seus colaboradores e clientes.
5) Novos papéis das empresas
As organizações deverão ampliar sua participação em questões que vão além das fronteiras do negócio. Ou melhor, deverão encarar o negócio como um agente transformador. Isso significa que, diante das tensões sociais, políticas, econômicas e ambientais, o posicionamento – ou a falta dele – será avaliado e julgado pelo público interno e externo. A visão sobre rentabilidade também se transforma à medida que o lucro deixa de ser o principal indicador de sucesso, fazendo com que as empresas mensurem o impacto de suas iniciativas. Em 2020, por exemplo, o Fórum Econômico Mundial lançou o relatório “Métricas de Capitalismo das Partes Interessadas”, que define indicadores para a criação de valor sustentável e que podem ser usados pelas organizações para alinharem seus relatórios de desempenho com indicadores ambientais, sociais e de governança (ESG) e rastrear, de forma consistente, suas contribuições para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
É nesse cenário extremamente desafiador que os líderes preparados são mais necessários do que nunca. Além de uma visão estratégica, quem ocupa este posto deve carregar habilidades como empatia, humildade e senso de equipe, para que possa estar à frente e ao lado das pessoas durante toda a jornada. O líder e a líder que guiarão pessoas e organizações para o progresso e para o futuro são aqueles e aquelas que têm compromisso genuíno com a sociedade e com o planeta, visão tecnológica e digital e busca o desenvolvimento humano.
Estamos sendo provocados a assumir os resultados de nossas ações, a buscar nossos porquês, a mudar a rota e abraçar o novo que se apresenta. Após o embaralho inicial da crise, podemos assentar a ideia de que este é o momento para que a mudança seja feita de forma mais estruturada.
Deixo o meu agradecimento e o convite às reflexões e oportunidades do nosso estudo “Futuro do Trabalho: 20 tendências para você e sua empresa navegarem”. Boa leitura!