Há mais ou menos sete anos atrás, minha filha então com 7 anos me fez a seguinte pergunta: mãe, posso ser arquiteta? E eu prontamente respondi que sim, inclusive que ela poderia ser o que quisesse. Recentemente, tenho pensado muito na profundidade dessa pergunta e na superficialidade da minha resposta.
Em meio a tantas transformações e novas tecnologias pelas quais passamos nesses últimos sete anos, em uma velocidade que aparentemente não podemos mais controlar, parei para refletir um pouco sobre essa conversa e isso me inspirou a refletir e estudar sobre os impactos dessas transformações na carreira do arquiteto e da própria Arquitetura, em busca de uma resposta coerente e estimulante, para ela e para mim também.
Será que no futuro Arquitetos vão existir? E como será o futuro da Arquitetura?
Nos tempos atuais, é preciso compreender que arquitetos não se resumem mais em pessoas que só se preocupam com cálculos, formas e linhas, mas também com o bem-estar e a evolução de uma sociedade. O próprio termo ARQUITETURA refere-se a toda construção humana e modelagem do ambiente físico, incluindo seu processo de projeto e o produto deste, sendo a palavra também usada para definir os estilos e métodos de projeto das construções de uma época.
É inegável que o impacto da Inteligência Artificial (IA) irá revolucionar a forma de projetar e consequentemente de estruturar empresas que oferecem esses serviços. A Arquitetura dos chamados Edifícios Inteligentes (E.I) e a Domótica (automação voltada para o segmento residencial), existente desde a década de 80 e disseminados pelo mundo através do Intelligence Building Institute, com sede em Nova Iorque, ainda impactam o mundo. Mas, vários escritórios tão pouco conhecem esses conceitos, com suas plantas livres, seus sistemas integrados de segurança e controle através de dispositivos móveis oferecendo altos níveis de produtividade e economia de recursos naturais. Parece que ainda caminhamos a passos lentos, sem perceber que esse futuro é quase o passado, se comparado à IA e a tudo que ainda vem por aí.
Desta forma, podemos pensar como macrotendência para a Arquitetura Inteligente, além da Domótica e dos E.I, a Sustentabilidade (muito mais que uma macrotendência, uma necessidade), o Design Generativo (DG) e a Arquitetura paramétrica (AP)
Nosso mundo não suporta mais um desenvolvimento que não seja em comunhão com a natureza. Pensando dessa forma, casas já são projetadas utilizando materiais reciclados e recicláveis, projetos de edifícios já são pensados para interagirem com a beleza natural de uma paisagem e até mesmo construções antigas começam a ser adaptadas para uma versão mais sustentável. Projetos experimentais como o da casa 100% sustentável realizado pelo escritório de arquitetura especializado em moradias inteligentes Grey Organschi, já são uma realidade, visto que “O mundo precisa de mais moradias, mas o importante é que precisamos construir estruturas mais inteligentes e eficientes. O setor habitacional é responsável pelo consumo de até 40% dos recursos totais do planeta e representa mais de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. Projetos mais eficientes beneficiarão a todos além de consumir menos recursos. Inovações como esta são muito bem-vindas para ampliar a discussão e fazer como que a indústria da construção incorpore cada vez mais elementos sustentáveis em seus processos e projetos”, declarou Erik Solheim, Chefe do UN Environment.
Para o arquiteto Bjarke Ingels – autor de projetos como a Lego House, na Dinamarca – um edifício onde por exemplo seja possível pedalar do térreo até a cobertura, ou onde haja uma usina de reciclagem cujo teto serve como pista de esqui ou ainda que tenha um complexo de estruturas que barra a entrada de água em caso de tempestades enquanto, simultaneamente, funciona como espaço de convivência, projetos assim defendem o bem-estar social e a infraestrutura sustentável como único caminho para alcançar o desenvolvimento.
Já o Design Generativo (DG), que é a aplicação mais difundida da inteligência artificial para a Arquitetura, é um método que vai transformar a forma como criamos o espaço a partir do processo de criação, revolucionando todo o processo criativo.
Apesar do DG ser um conceito novo, diversas empresas como a Google com seu computador Deepmaind – que elaborou, em 2017, imagens realistas a partir de frases bem complexas –, a Airbus com partição de cabines para suas aeronaves cada vez mais leves e a Hack Rod com seus chassis definitivos, já vêm utilizando em suas soluções para a economia de tempo, dinheiro e para o impulsionamento da criatividade e produtividade utilizando um processo automatizado. O computador realiza em segundos, centenas de combinações e vai aprendendo um caminho evolutivo para criar uma forma que seja a mais adequada combinando todas as variáveis como custo, melhores vistas e eficiência energética. Tudo isso, por meio de perguntas que podem ser feitas diretamente ao software.
Ainda hoje, quando vamos criar um projeto, primeiro identificamos um problema de design, depois simulamos soluções através de computadores ou desenhos, analisamos o que produzimos e por fim refazemos tudo aperfeiçoando repetidamente a forma. Ou seja, levamos muito tempo em etapas que serão substituídas por simulações robotizadas com variáveis precisas.
Com o DG, tudo muda. É uma verdadeira transformação no processo de criação; é como se o limite entre ferramenta e criador estivesse mais tênue como uma extensão humano-máquina.
No futuro, poderemos projetar apenas descrevendo para o computador o que queremos. Projetar será como conversar sobre a arquitetura que desejamos. Nossa capacidade de criação estará bem além dos limites que hoje temos, mas esta mesma tecnologia também poderá eliminar o arquiteto da cadeia produtiva entre os clientes até a obra construída.
E por fim a Arquitetura Paramétrica (AP), que é o uso de algoritmos e softwares especializados que permitem expandir as possibilidades arquitetônicas, criando formas que desafiam os limites da imaginação e que, a partir do estudo de diversos dados como a carta solar (posição do sol no local em diferentes dias do ano), ventos predominantes, entre outras condições na localização do projeto, gera informações que são transformadas em parâmetros, que irão orientar o profissional na criação de uma modelagem com curvas ou outras formas abstratas, por exemplo. Com a AP, é possível criar uma fachada cheia de curvas e aberturas em que a entrada do sol é milimetricamente calculada para fornecer o conforto térmico ideal que poderá ser complementado pela automação, gerando relatórios de uso e otimizando todo o sistema de climatização e iluminação, como grandes escritórios já o fazem a exemplo da iraniana, já falecida, Zaha Hadid e do canadense Frank Gehry ambos ganhadores do Pritzker Prize, um dos maiores reconhecimentos entre os profissionais da Arquitetura, concedido a profissionais que se empenharam em modificar a significado de construções, imprimindo uma visão e estilo peculiares, com foco na inovação e utilização da AP.
A Arquitetura não segue ciclos econômicos ou de moda, segue ciclos de inovação gerados por desenvolvimentos sociais e tecnológicos. A sociedade contemporânea não pára e as edificações precisam evoluir com novos padrões de vida para corresponder às novas necessidades”. – Zaha Hadid
Se várias profissões ou atividades dentro de algumas profissões serão substituídas no futuro, como ficará o futuro da Arquitetura tendo em vista que a Inteligência Artificial poderá abreviar e simplificar o processo de desenvolvimento de projeto, levando a novos padrões de concepção projetual em que as pessoas consultando diretamente uma construtora poderiam escolher facilmente um determinado padrão de casa e o programa aperfeiçoaria gerando um Big Data alimentando um algorítimo que fornece padrões de comportamento e preferências estéticas a ponto de chegar ao exato desejo do usuário?
Complexo? Pode até parecer, mas é para esse futuro que caminhamos.
A questão é quando isso estará à disposição de todos os profissionais de Arquitetura e quem serão os profissionais que irão se adaptar a essas novas tecnologias. Criatividade e talento já não serão necessariamente fundamentais, mas adaptabilidade sim. Os escritórios passarão por transformações na sua estrutura de composição e o trabalho remoto continuará largamente utilizado, tanto para colaboradores quanto para clientes que não precisam mais estar presentes fisicamente.
Será que isso eliminaria os profissionais arquitetos ou seria apenas uma das formas de concepção dos espaços? Essas e muitas outras incertezas nos levam a reflexões profundas de como utilizar a tecnologia a nosso favor, de buscar cada vez mais o sentido da Arquitetura Inteligente e dos elementos que nos levem a um desenho do que poderá ser o futuro da nossa profissão.
Acredito que no momento seja necessário, sobretudo, uma mudança de mentalidade para perceber que não somente os arquitetos mas todos os envolvidos nesse ecossistema e nesse complexo processo criativo da criação de espaços vitais para o ser humano, cidades ou residências, serão impactados pelas transformações tecnológicas. E que cabe a cada um aproveitar esse mar de possibilidades que se apresenta, para construir negócios mais estruturados e que utilizem estratégias e tecnologias para resolver problemas do agora, sejam estes de gestão ou de soluções espaciais.
De qualquer forma, espero que todas as transformações trazidas pela IA e outras tecnologias exponenciais aconteçam sem esquecer o objetivo final da Arquitetura: criar espaços para impactar positivamente a vida das pessoas e do planeta, gerando tempo e melhor qualidade de vida para os seres humanos.
Voltando à pergunta inicial: será que no futuro Arquitetos vão existir?
Aposto que sim! Espero que em versões tecnológicas sem perder a sensibilidade e a humanidade, pensando sempre na sustentabilidade. Mas será preciso que se adaptem, se reinventem e não desistam… e se minha filha, hoje com 14 anos, ainda me fizer essa pergunta, espero que ela consiga compreender isso.
Imagem da capa: Philip Beesley e Alex Willms / PBAI. Essa foto mostra o trabalho realizado pelo arquiteto Philip Beesley Astrocyte, que conecta química, inteligência artificial e uma paisagem sonora imersiva para criar uma arquitetura viva que responde à presença dos espectadores. No centro da pesquisa de Beesley está a busca por saber se a arquitetura pode realmente ser “viva”, abrindo possibilidade de estruturas auto-reparáveis ou ambientes orgânicos profundamente responsivos, onde a inteligência artificial existe em quase todos os níveis de design.
Ótimo texto, muito bom mesmo… Eu que não sou da área da arquitetura conheci vários conceitos que desconhecia e pude buscar em outras fontes um aprofundamento do assunto, como domótica, design generativo e arquitetura paramétrica… Obrigado!!!
😍😍😍 muito bom!!!
Quem bom! Fico feliz em saber que consegui despertar e te oferecer novos horizontes.
Obrigada!
E o futuro do Design?