O conceito de “Beyond” ou “Além” foi trazido à tona pela futurista Amy Webb no SXSW 2025. O interessante é como ele se entrelaça ao “Tesarac”, dois conceitos destinados a se cruzarem na inevitável trajetória da inovação. Quero contar a vocês o caminho que esses dois têm traçado e, como o tempo encurtado, fez com que trombassem.

O SXSW 2025 aconteceu agora em março, em Austin, compartilhando ideias transformadoras. Além das palestras, o evento foi palco do lançamento de relatórios que mapeiam avanços tecnológicos e sociais para os próximos anos. Entre eles, o estudo apresentado por Amy Webb, abordando a convergência entre inteligência artificial, biotecnologia e sensores avançados.

Dentro desse contexto, quero destacar um ponto específico de sua fala: o “Beyond”, o “Além”.

Do Tesarac ao Além: a travessia

Antes de entrar no cerne da questão, Amy mencionou mudanças revolucionárias que já estão acontecendo, como o computador cerebral de inteligência organoide, lançado recentemente: o primeiro computador feito de neurônios humanos e com um sistema operacional próprio. Assim, ela aborda o conceito de Inteligência Viva – um sistema que sente, aprende, se adapta e evolui. A inteligência artificial é apenas uma peça desse quebra-cabeça, que reescreverá as regras da realidade como a conhecemos.

Segundo Amy, esse novo destino – o “Beyond” – já rompeu diversas regras, inclusive as da computação. Mas, antes de chegarmos lá, estamos atravessando um espaço liminar, o Tesarac, outro termo com mesmo sentido sobre o qual discorri recentemente, aqui no O Futuro das Coisas: “Viver no Tesarac é estar imerso na bruma do que ainda não é e do que já não é mais”. Nele, falo sobre esse estado de transição, seus impactos nas gerações e como molda nossa mente e comportamento.

O Tesarac se manifesta no encurtamento dos intervalos entre o velho e o novo. O tempo entre uma revolução e outra se torna tão curto que mal conseguimos acompanhar. Percebemos quantos “Tesaracs” atravessamos em tão pouco tempo – e como nossa resposta a essas mudanças está cada vez mais caótica.

Amy exemplificou essa aceleração falando sobre a robótica. Para evoluir, os robôs tem o desafio de saber como lidar com a dinâmica do nosso ambiente, com a imprevisibilidade, ou seja, as coisas que os humanos podem fazer, como amarrar os sapatos, que requer feedback tátil e aderência para controlar os cadarços. O Google DeepMind, há poucas semanas, conseguiu ensinar um robô a amarrar um sapato – um avanço que, embora pareça simples, é um salto gigantesco para a robótica, sinalizando o que pode acontecer nos próximos 1 a 2 anos. Este é um exemplo de personificação da inteligência viva.

Segundo especialistas, robôs comerciais só estarão entre nós em 2030. Mas Amy provocou:

“Você sabe que 2030 é daqui a apenas cinco anos? Há coisas que fazemos hoje que jamais imaginaríamos cinco anos atrás.”

E é aqui que o “Tesarac” encontra o “Além”. Os próximos dois a cinco anos – o tempo entre hoje e o momento em que robôs humanoides se tornem comuns – são um limiar ou “Tesarac”, um espaço de ambiguidade e potencial, onde velhas regras já não se aplicam, mas as novas ainda não foram totalmente escritas.

O antropólogo Victor Turner definiu a liminaridade como:

“Um estado de transição, no qual os participantes estão temporariamente fora de suas identidades sociais convencionais. Um momento em que já deixamos de ser, mas ainda não nos tornamos.”

A pesquisadora e educadora Clara Cecchini destacou a citação acima ao refletir sobre a palestra de Amy Webb – e ela se encaixa perfeitamente aqui.

O desafio de atravessar o Tesarac

Quem somos nós neste intervalo de tempo? Amy Webb argumenta que o objetivo de um cenário não é acertar o futuro com precisão, mas tomar as decisões certas no presente. E isso exige desafiar nossas crenças mais queridas.

Talvez essa seja a chave para tornar o “Tesarac” menos doloroso e mais proveitoso. A velocidade das mudanças nos faz sentir como naquele meme:

“Logo na minha vez de envelhecer, a velhice virou fitness.”

“Logo na minha vez de dominar a tecnologia, ela já mudou de novo.”

O tempo é curto para nos ajustarmos. Desapegar de crenças limitantes pode facilitar essa transição, mas não devemos perder a atenção e o cuidado. Afinal, um pequeno grupo de pessoas pode agir em benefício próprio para explorar recursos compartilhados – como a Inteligência Viva.

Amy Webb usou uma metáfora poderosa:

“Sentar-se num bloco de madeira.”

O desconforto é um lembrete constante de que devemos manter nosso centro, reconhecer as forças externas. Você precisa estar no desconforto para querer transformá-lo.

Cada pessoa enxerga o ‘Tesarac’ de acordo com sua perspectiva – ou melhor, seu ‘ponto de vida’. Isso define quem já está a caminho do ‘Beyond’ e quem ainda está tentando compreender as mudanças ao seu redor. No ‘Beyond’, as transformações já acontecem, mesmo que ainda não as estejamos vivendo plenamente. No ‘Tesarac’, estamos sempre tentando alcançar o futuro. E, independentemente da velocidade da evolução, sempre haverá aqueles presos no ‘Tesarac’ e os que já avançaram para o ‘Beyond’.

Com a rapidez das transformações, algumas pessoas podem acabar presas para sempre nesse limiar, num ciclo vicioso de sair e tentar entrar eterno. A velocidade dessas mudanças pode expulsar aqueles que não conseguirem acompanhar.

Isso tudo procurando resgatar nossa humanidade porque, como disse Brené Brown – “Somos péssimos em tudo que é humano porque nos disseram nos últimos 30 anos que as coisas humanas não são boas para o trabalho”. Se os robôs precisam se personalizar para se aproximarem da humanidade, nós, humanos robotizados, temos isso como obrigação.

Precisamos atravessar nossos “Tesaracs” com fluidez, sem apego a crenças limitantes – mas sempre sentados em blocos de madeira. A jornada de evolução na vida é tanto sobre aprender quanto sobre desaprender.

O “Além” vai chegar. Ele vai atropelar e redefinir. Quer estejamos prontos ou não.

Crédito foto da capa: Yujie Zhang

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Clarissa Ferreira de Souza

Analista de Sistemas com MBA Profissional em Tecnologia da Informação e especialização em Gestão Estratégica da Informação. Atua também em áreas como gestão do conhecimento e criatividade organizacional. Curiosa, criativa e bem-humorada, acredita que a revolução tecnológica é uma oportunidade para fortalecer a humanização como nosso diferencial. Utiliza a escrita para organizar ideias, promover diálogos críticos e desafiar certezas. É adepta da filosofia da bicicletinha: “ é o movimento que mantém o equilíbrio.”

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