Deveriam os governos (federal, estadual e municipal) divulgar datas exatas para o fim das medidas de distanciamento social em função da COVID-19?
Um estudo realizado por pesquisadores de universidades canadenses, americanas e italianas concluiu que passar essa informação – fim da quarentena – pode aumentar o número de pessoas que desobedecem às medidas se as expectativas forem mal gerenciadas e se o cronograma for subitamente prorrogado.
O estudo pesquisou as atitudes de 894 italianos, que receberam ordens para permanecer em casa no dia 9 de março e que seriam liberados em 3 de abril.
Surpreendentemente, o estudo constatou que metade dos entrevistados admitiu não cumprir plenamente as ordens de isolamento, no momento em que eles foram entrevistados, entre os dias 18 e 20 de março.
Quando questionados sobre como reagiriam se o prazo do término do lockdown (3 de abril) fosse subitamente prorrogado “por algumas semanas”, 10% disseram que reduziriam ou abandonariam completamente o esforço de distanciamento social – um número significativo, considerando que a COVID-19 é altamente contagiosa. O restante disse que manteria ou aumentaria seus esforços.
A atitude dos entrevistados em reduzir ou abandonar seus esforços tinha muito a ver com suas próprias expectativas. Os pesquisadores perceberam isso quando primeiro perguntaram aos italianos quanto tempo eles esperavam que o prazo fosse estendido a partir de 3 de abril. Em seguida, os pesquisadores testaram comportamentos esperados com diferentes cronogramas de prolongamento do isolamento.
Entre o grupo que cumpriu plenamente as medidas de distanciamento social, 15% disseram que reduziriam ou abandonariam seus esforços se a data de 3 de abril fosse prolongada por mais do que “poucas semanas”. Se a extensão fosse menor do que eles esperavam, apenas 3% reduziriam seus esforços.
“Principalmente aquelas pessoas que foram totalmente “obedientes” até agora, são as que realmente reagiriam negativamente a algumas surpresas negativas em termos de duração (isolamento), o que significa que podemos perder os “bons cumpridores” se não gerenciarmos adequadamente as expectativas”, alerta Nicola Lacetera, cientista comportamental da Universidade de Toronto e co-autor do estudo.
Para aqueles que cumprem plenamente o isolamento, a intenção declarada de fazer menos sugere uma “fadiga desse isolamento”, acrescentou Lacetera em uma entrevista. “Eles estão dizendo: ‘Ei, estou cumprindo totalmente e você continua estendendo a linha do tempo?’ Eles estão exaustos”. Ele complementa: “para maximizar a eficácia dos esforços temporários de isolamento, as autoridades públicas devem gerenciar as expectativas do público sobre quando essas medidas serão relaxadas ou suspensas”, afirma o estudo. “Nossas descobertas mostram que as expectativas sobre a duração das medidas de isolamento social influenciam a intenção do público em cumprir”.
A pesquisa com os italianos foi conduzida por acadêmicos da SWG, uma das principais agências italianas de pesquisas. Os entrevistados responderam à pesquisa online ou por meio de entrevistas por telefone assistidas por computador.
A maioria dos entrevistados vive no norte da Itália, onde há o maior número de vítimas do Coronavírus quase colapsando o sistema de saúde. O número total de infecções na Itália subiu para mais de 100.000, e o número de mortos já superou 24.000 pessoas.
Em Ontário, no Canadá, o governo da província fechou as escolas por duas semanas e, desde então, estendeu indefinidamente o fechamento. O Premier Doug Ford também anunciou estado de emergência em 17 de março e, depois disse que estenderia por mais duas semanas, alertando que a obrigatoriedade de ficar em casa pode ser a próxima decisão. O governo federal se absteve de estabelecer uma data para que a vida volte ao normal, mas deixou claro que o sucesso das medidas voluntárias de distanciamento social determinará em grande parte se medidas mais firmes forem tomadas.
Na Grã-Bretanha, o governo implementou medidas de lockdown em 23 de março, dizendo que durariam três semanas.
Lacetera diz que os resultados da pesquisa com os italianos indicam que o cumprimento se torna especialmente problemático quando um político continua alterando prazos. O melhor exemplo disso é o presidente dos EUA, Donald Trump. Primeiro minimizou a ameaça do vírus, depois declarou estado de emergência em 13 de março. Dias depois, disse que esperava que as pessoas voltassem ao trabalho na Páscoa. No fim de março, ele estendeu essa data até o final de abril.
“Essa abordagem faz as pessoas sentirem uma sensação de fadiga e desconfiança. O público começar a acreditar que a meta é inatingível.”, disse Lacetera na entrevista.
Esse estudo descreve a linha tênue entre políticos e autoridades de saúde. Não estabelecer uma data final pode sinalizar para as pessoas que a crise é grave, mas também pode aumentar a ansiedade e ter outros impactos psicológicos. Dar uma data final para medidas de isolamento pode ser mais aceitável em uma sociedade democrática, mas corre o risco de sugerir que a crise é menos grave, diz o relatório.
“Prorrogar o prazo das medidas após criar uma expectativa de que elas seriam limitadas no tempo pode reduzir a aceitação das pessoas, diminuir a confiança na autoridade e, finalmente, relaxar o cumprimento“, alerta o relatório de Lacetera e pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, da Universidade de Chicago e da Free University of Bozen-Bolzano na Itália.
E você, qual a sua opinião? Você acha que as autoridades brasileiras deveriam colocar limites para o isolamento social?”
Fonte: The Star