A obesidade é um dos maiores desafios da saúde pública no século 21. Os índices são alarmantes: afeta mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo, e custa pelo menos 200 bilhões de dólares a cada ano apenas nos Estados Unidos.
No Brasil, há quase 25 milhões de obesos, o que representa 18,5% da população, de acordo com pesquisa realizada em 2014 pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.
A obesidade é considerada a doença de maior impacto socioeconômico no mundo. O excesso de peso é um fator de risco para doenças potencialmente fatais, como doenças cardiovasculares, a diabetes tipo 2 e o câncer, além de problemas sociais.
Mas agora, uma nova abordagem poderá prevenir e até mesmo curar a obesidade, mesmo em pessoas com estilo de vida sem exercícios e com dieta rica em gordura.
Um estudo conduzido por pesquisadores do MIT e da Harvard Medical School, publicado ontem (19/08) no New England Journal of Medicine, revelou uma nova via que controla o metabolismo humano.
Os pesquisadores, analisando o circuito celular associado aos genes e à obesidade, observaram um controle que avisa aos nossos adipócitos para que armazenem gordura ou a queimem.
“A obesidade tem sido tradicionalmente vista como resultado de um desequilíbrio entre a quantidade de alimento que nós ingerimos e o quanto nos exercitamos, mas esta visão ignora a contribuição da genética para o metabolismo de cada indivíduo”, diz o autor sênior do estudo Dr. Manolis Kellis, Ph.D, professor de ciência da computação e membro do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência da Computação (CSAIL) do MIT.
Dr. Manolis Kellis
Novo mecanismo
A associação mais forte com a obesidade reside em uma região do gene conhecido como “FTO”, o qual tem sido o foco de intensa pesquisa desde a sua descoberta em 2007. No entanto, os estudos anteriores não conseguiram encontrar um mecanismo que explicasse as diferenças genéticas que levam à obesidade.
“Muitos estudos tentaram ligar a região do FTO com os circuitos do cérebro que controlam o apetite ou a propensão para exercícios”, diz outra autora do estudo, Dra. Melina Claussnitzer, também professora visitante da CSAIL e instrutora em medicina no Beth Israel Deaconess Medical Center e na Harvard Medical School. “Os nossos resultados indicam que a região associada à obesidade atua principalmente em células progenitoras de adipócitos de uma forma independente do cérebro.”
Para reconhecer os tipos de células onde podem atuar na região associada à obesidade, os pesquisadores usaram anotações de interruptores de controle genômico de mais de 100 tecidos e tipos de células. Eles encontraram evidências de um grande painel de comando que controla as células progenitoras de adipócitos humanos, sugerindo que as diferenças genéticas podem afetar o funcionamento de armazenagem de gordura humana.
Para estudar os efeitos das diferenças genéticas em adipócitos, os pesquisadores recolheram amostras de tecido adiposo de europeus saudáveis que tinham a versão da região associada ao risco da obesidade e de outros sem esse risco. Eles descobriram que a versão com risco ativava uma região importante no controle de células progenitoras de adipócitos, as quais transformavam-se em dois genes, IRX3 e IRX5.
Controle da termogênese
Os experimentos mostraram que o IRX3 e o IRX5 agem como principais controladores de um processo conhecido como termogênese, em que os adipócitos dissipam a energia na forma de calor, em vez de armazená-la como gordura.
A termogênese pode ser desencadeada por exercícios, dieta, ou exposição ao frio, e ocorre tanto em adipócitos marrons rico em mitocôndrias, que são relacionados com o desenvolvimento muscular, como em adipócitos bege que são relacionados com adipócitos brancos no armazenamento de energia.
“Os primeiros estudos sobre a termogênese focaram principalmente na gordura marrom, que desempenha um papel importante nos ratos, mas é praticamente inexistente em adultos humanos”, diz Claussnitzer. “Por outro lado, esta nova via controla a termogênese nas mais abundantes reservas de gordura branca, e sua associação genética com a obesidade indica que afeta o equilíbrio global de energia em seres humanos.”
Os pesquisadores previram que a diferença genética de apenas um nucleótido é responsável pela associação à obesidade. Em indivíduos de risco, uma timina (T) é substituída por uma nucleobase de citosina (C), o que perturba a região de controle e ativa (liga) o IRX3 e o IRX5. Então, logo desativa (desliga) a termogênese, levando à acumulação de lipídos e, enfim, à obesidade.
Ao editar (“corrigir”) apenas uma posição de nucleotídeos utilizando o sistema Cas9 / CRISPR – uma tecnologia que permite aos investigadores fazer alterações precisas numa sequência de DNA – os pesquisadores puderam trocar assinaturas magras e obesas em pré-adipócitos humanos. Mudar de C para a T em indivíduos de risco desligando o IRX3 e o IRX5, restaura a termogênese para níveis de “não-risco”, desligando os genes de armazenagem de lipídios.
“Conhecer a variante causal subjacente à associação da obesidade pode permitir a edição genômica como uma via terapêutica para indivíduos portadores do alelo de risco”, diz Kellis. “Mas o mais importante, é que os circuitos celulares descobertos, podem permitir a interrupção metabólica tanto para indivíduos com risco à obesidade como para aqueles sem risco, como uma forma de combater o estilo de vida, ou contribuintes genéticos para a obesidade.”
Sucesso em células humanas e de ratos
Os pesquisadores comprovaram que podem manipular este novo caminho para reverter as assinaturas de obesidade tanto em células humanas como na de ratos.
Da mesma forma que nos humanos, a repressão de IRX3 nos adipócitos de ratos levou a mudanças dramáticas no nível de energia em todo o corpo, resultando em uma redução do peso corporal e de todos os principais depósitos de gordura, e ainda, total resistência a uma dieta rica em gordura.
“Ao manipular esta nova via, podemos alternar programas de armazenamento de energia e de dissipação de energia, a nível celular e de organismo, proporcionando uma nova esperança contra a obesidade”, explica Kellis.
O Futuro
Neste estudo, os pesquisadores fizeram uma revelação quase completa de como um alelo de risco genético, em uma região não-codificante do genoma, realmente funciona.
Para o Dr. Evan Rosen, professor de medicina na Harvard Medical School, é realmente uma peça extraordinária da ciência, e fornece um modelo que se aproxima das variantes genéticas em praticamente todos os tipos de doenças.
Atualmente, os pesquisadores estão estabelecendo colaborações no meio acadêmico e na indústria para encontrarem descobertas em terapias de obesidade. Eles também estão usando a nova abordagem como um modelo para compreender os circuitos de outras doenças associadas ao genoma humano.
Fonte: MIT News via New England Journal of Medicine