No início da pandemia, pesquisadores observaram taxas desproporcionalmente altas de pacientes com demência que evoluíam para um estado grave de covid-19. Um novo estudo conduzido por cientistas da University College London (UCL) está propondo uma variante de um gene que pode levar a uma maior suscetibilidade para a gravidade dessa doença.
Em 2019, pesquisadores tinham descoberto alguns genes que poderiam estar associados a um risco mais elevado de desenvolver Alzheimer. Um estudo separado, em 2020, encontrou variantes em um desses genes de risco, OAS1, correlacionado com estados graves de covid-19.
Este novo estudo da UCL, publicado em 7 de outubro no journal Brain, propõe que uma variante genética do gene OAS1 regula as respostas inflamatórias de certas células, o que pode explicar como aumenta o risco de Alzheimer e gravidade da covid-19. Os pesquisadores estimam que essa variante aumenta o risco de Alzheimer entre 3% a 6% na população como um todo, enquanto variantes relacionadas no mesmo gene aumentam a probabilidade de resultados graves de covid-19.
As descobertas podem abrir a porta para novos alvos no desenvolvimento de medicamentos e para rastrear a progressão tanto da covid-19 quanto do Alzheimer, e ainda, sugerir que novos tratamentos possam ser aplicados para as duas condições. Os resultados também têm potenciais promissores para doenças infecciosas e demências relacionadas.
“Embora o Alzheimer seja caracterizado principalmente pelo acúmulo de proteína amilóide e emaranhados no cérebro, há também uma extensa inflamação no cérebro que destaca a importância do sistema imunológico no Alzheimer. Descobrimos que algumas das mesmas alterações do sistema imunológico podem ocorrer tanto no Alzheimer quanto na covid-19”, disse o autor do estudo, Dr. Dervis Salih (UCL Queen Square Institute of Neurology e UK Dementia Research Institute da UCL)
“Em pacientes graves por covid-19, também podem ocorrer alterações inflamatórias no cérebro. Identificamos um gene que pode contribuir para uma resposta imune exagerada que aumenta os riscos do Alzheimer e covid-19 ” – Dr. Devis Salih
Para esse novo estudo, os pesquisadores tentaram aprimorar outro estudo anterior que realizaram, e que encontrou evidências de um grande conjunto de dados de genomas humanos, para sugerir uma ligação entre o gene OAS1 e a doença de Alzheimer.
O gene OAS1 é expresso na micróglia, um tipo de célula imune do sistema nervoso central que, entre outros papeis, tem função similar à dos glóbulos brancos na corrente sanguínea. As micróglias fazem a vigilância ativa do tecido cerebral e da medula e constituem cerca de 10% de todas as células encontradas no cérebro.
Investigando a ligação do gene ao Alzheimer, os pesquisadores sequenciaram dados genéticos de 2.547 pessoas, onde metade tinha Alzheimer e descobriram que aquelas com uma variação particular, chamada rs1131454, do gene OAS1 eram mais propensas a ter Alzheimer, aumentando o risco de desenvolver a doença entre 11% a 22%. A nova variante identificada é comum – mais da metade dos europeus a carregam – e tem um impacto maior no risco do Alzheimer do que outros genes de risco já conhecidos.
Estas descobertas colocam o OAS1, um gene antiviral, a uma lista de dezenas de outros genes conhecidos por impactar o risco de uma pessoa desenvolver Alzheimer. Os pesquisadores investigaram também quatro variantes desse gene, todas as quais amortecem sua expressão (atividade). Eles descobriram que as variantes que aumentam o risco do Alzheimer estão ligadas (herdadas em conjunto) com variantes OAS1 recentemente descobertas por aumentar o risco em até 20% para a covid-19, exigindo cuidados intensivos.
Como parte da mesma pesquisa, em células imunológicas tratadas para imitar os efeitos da covid-19, os pesquisadores descobriram que o gene controla a quantidade de células imunológicas do corpo que liberam proteínas pró-inflamatórias; descobriram que as células da micróglia, onde o gene era expresso de forma mais fraca, tinham uma resposta exagerada ao dano tecidual, desencadeando o que chamam de “tempestade de citocinas“, que leva a um estado autoimune em que o corpo ataca a si próprio.
A atividade do OAS1 muda com o avançar da idade, portanto, novas pesquisas sobre a “network” genética podem ajudar a entender por que os idosos são mais vulneráveis ao Alzheimer, à covid-19 e a outras doenças relacionadas.
“Nossas descobertas sugerem que algumas pessoas podem ter aumentado a suscetibilidade ao Alzheimer e à covid-19 grave, independentemente da idade, já que algumas de nossas células imunológicas parecem envolver um mecanismo molecular comum nas duas doenças” – Naciye Magusali | estudante PhD na UK Dementia Research Institute, UCL.
Consequências neurológicas de longo prazo da covid-19
Após o surto da pandemia, os pesquisadores do UK Dementia Research Institute da UCL voltaram sua atenção para investigar as consequências neurológicas de longo prazo do coronavírus. Usando biomarcadores encontrados no sangue e fluido ao redor do sistema nervoso central, eles têm como objetivo rastrear a neuroinflamação e os danos causados aos neurônios.
“Se pudéssemos desenvolver uma maneira simples de testar essas variantes genéticas quando alguém der positivo para covid-19, seria possível identificar quem encontra-se em maior risco e irá precisar de cuidados intensivos, mas há muito mais trabalho a ser feito para chegar nesse ponto. Esperamos que nossa pesquisa possa contribuir para o desenvolvimento de um exame de sangue que identifique se alguém tem risco de desenvolver Alzheimer antes de apresentar problemas de memória”, espera Dr. Salih.
Dr Salih informou que as pesquisas vão continuar para que entendam o que acontece depois que essa rede imunológica é ativada em resposta a uma infecção como a da covid-19 – ver se leva a algum efeito duradouro ou alguma vulnerabilidade -, e também para entender se a resposta imunológica do cérebro à covid-19, envolvendo o gene OAS1, pode ajudar a explicar alguns dos efeitos neurológicos dessa doença.
Fonte: University College London