Metaverso é um dos assuntos do momento, graças não apenas à mudança de nome da empresa por trás do Facebook para Meta, mas devido também ao lançamento da plataforma Horizon em 2021. Ela se trata de um ambiente em realidade virtual capaz de explorar novas dinâmicas corporativas (o que, aliás, previ em meu primeiro livro publicado — Poder Absoluto —, onde coincidentemente apresentei, ainda em 2017, o mesmo conceito e utilizando o mesmo nome da plataforma antes de ela sequer ter sua marca apresentada, em 2019).
Embora o grande público esteja recebendo o produto como a versão de Mark Zuckerberg de jogos eletrônicos como Second Life e Roblox, chegando a compará-lo à plataforma virtual fictícia da distopia Jogador Nº1; esta não é exatamente a proposta da empresa.
Apesar do ambiente lúdico apresentado, a plataforma Horizon Worlds foi desenhada especialmente para o setor corporativo.
Mas o que é, afinal, o metaverso sobre o qual todo mundo na internet está falando?
Cunhado pelo autor Neal Stephenson no livro de ficção científica “Snow Crash”, cuja obra traz como protagonista um entregador de pizzas que é um samurai na realidade virtual e se envolve numa perigosa trama envolvendo os dois mundos, metaverso é um ambiente que mistura realidade virtual, realidade aumentada e internet. Sendo assim, possibilita a interação humana dentro de ambientes que reproduzem locações reais tanto quanto criá-las do zero. E se isso continua se parecendo com a definição de um jogo eletrônico, não é por acaso.
Essa relação entre jogos eletrônicos originarem realidades virtuais já havia sido prevista em 1982 por outro escritor de ficção científica: William Gibson, em “Neuromancer”. Considerada a primeira obra do subgênero cyberpunk, na trama, em certo momento, são reveladas que as realidades virtuais do metaverso tiveram origem conceitual a partir dos jogos de fliperama, que evoluíram para consoles que se conectavam à internet, até passarem a servir de ambiente de trabalho.
No caso desta distopia, embora não seja utilizado o termo “metaverso”, assim como em “Poder Absoluto” também não, o ambiente é propício a relações humanas de longa distância e até mesmo roubo de dados e conspirações políticas e empresariais.
E tais premissas nas obras advêm justamente do potencial que tais plataformas apresentam para o meio empresarial. Algo que já vem sendo colocado em prática por empresas estocando servidores focados em clientes corporativos.
E como você pode desfrutar do metaverso?
Além do ambiente lúdico que, possibilita reuniões familiares e de amigos por meio de óculos de realidade – o que vem a calhar em tempos de pandemia e crise econômica em que se locomover é cada vez mais complicado –, existem formas de se obter lucros por meio dele.
Isso é algo que já vem sendo aplicado. Por exemplo, algumas das maiores montadoras de carros do mundo vêm utilizando o metaverso para testar seus produtos. Isso se dá, principalmente, a partir da Epic Unreal Enterprise, que iniciou sua consolidação no mercado justamente desenvolvendo jogos eletrônicos cada vez buscando acuidade em reproduzir as leis da física em seus produtos.
Um exemplo disso é a possibilidade de se criar cenários e carros “gêmeos”. A ideia consiste em reproduzir fielmente diferentes elementos do mundo concreto no espaço digital, simulando diferentes situações. O metaverso acaba por permitir também que montadoras de veículos experimentem novas formas de logística.
Mas não apenas montadoras podem se beneficiar do conceito. Qualquer empresa na ponta da cadeia de produção e prestação de serviços também pode. Uma vez que simulações possam rodar reproduções de situações reais, economiza-se tempo, dinheiro, energia e recursos; barateando o custo do processo de testagem de dinâmicas e evitando que o meio empresarial permaneça engessado por receio de ônus que não levem a lugar algum.
E, por falar em barateamento de custos e em montadoras de veículos através do metaverso, é exatamente o que tem feito uma fábrica da BMW na Alemanha, em todo o ambiente de quase 20.000 metros quadrados. Neste caso, até mesmo os funcionários foram replicados por meio do Omniverse, uma plataforma aberta de metaverso preocupada com alta fidelidade e desenvolvida pela NVIDIA (maior fabricante de placas de vídeo do mundo). Neste cenário de replicação, funcionários podem ser treinados sem riscos de danos ao processo de fabricação, bem como vêm sendo testadas novas estratégias logísticas.
Outra facilidade proporcionada pelo metaverso consiste em reuniões remotas de trabalho mais humanizadas, as quais aumentaram substancialmente a frequência desde o começo da pandemia. Imersos em ambientes virtuais com avatares que reproduzem suas fisionomias, os participantes podem melhor interagir no conforto de casa ou em diferentes sedes e espaços de uma mesma empresa.
E, ao que tudo indica, cada vez mais, as redes sociais como conhecemos mudarão. De certa forma, recursos conhecidos como Espaços em aplicativos como Twitter, Facebook e Instagram vieram funcionando como ferramentas de testes de aceitação de uma interatividade ainda maior.
Para o grande público, será mais um ambiente de lazer do que qualquer outra coisa. Mas para os detentores de tais plataformas, poderá ser visto como um grande laboratório de engenharia social, como vem sendo especialmente para as empresas de Mark Zuckerberg, segundo já revelado pelo conhecido escândalo da Cambridge Analytica.
Para qualquer modelo de negócio, é uma mina de ouro, pois enquanto algoritmos são utilizados não apenas para prever, mas também promover comportamentos e até mesmo pensamentos; a reprodução dos corpos num ambiente virtual é a última fronteira para assimilação individual num cenário virtual, como se pode concluir a partir das leituras de Pierre Lévy, filósofo contemporâneo pai do conceito de Cibercultura.
E embora existam justificados receios quanto ao uso de tal tecnologia, ela pode ser útil, como demonstrado ao longo deste artigo, para coisas muito benéficas que vão além do lucro, mas visam demandas sociais urgentes.
Como exemplo disso, uma grande problemática hoje toca à capacidade de capacitação profissional técnica em locais remotos; outra, acentuada em tempos de pandemia, é a defasagem de conteúdos apresentados em sala, que se antes se davam por limitações do ambiente físico em sala, agora são da natureza adaptativa ao ensino remoto de um sistema que não estava preparado para tal transição.
Ao imergir no metaverso, o estudante pode desfrutar tanto de aulas teóricas quanto práticas, recebendo até mesmo conteúdos e avaliações personalizados de acordo com seus pontos fortes e fracos segundo métricas de algoritmos, e não apenas de um único professor. Além disso, ambientes de ensino neste formato poderiam comportar muito mais alunos, de diferentes localidades, eliminado a restrição geográfica arraigada às instituições de ensino.
Casando-se tal lógica com a de mercado, em muitos aspectos, o período de experiência profissional, característico antes de uma empresa admitir um novo colaborador, em muito poderia se beneficiar no treinamento de sua força de trabalho.
Em relação ao impacto na saúde mental – como acontece com as redes sociais – para que ocorram em menor proporção no cenário do metaverso, é necessário que haja uma regulamentação efetiva nas plataformas, método que não é experienciado nas redes sociais. Para o psicólogo e logoterapeuta Arthur Amorim, essas precauções auxiliam para minimizar os conflitos existentes no universo virtual.
Segundo Eric Schmidt, presidente da Alphabet, “quem está falando de metaverso fala de mundos mais satisfatórios – mais rico, mais elegante, mais bonito, mais poderoso e mais rápido. Por isso, em alguns anos, as pessoas podem escolher passar mais tempo com os seus óculos no metaverso. E quem vai decidir as regras? O mundo tornar-se-á mais digital do que físico. E pode não ser necessariamente a melhor coisa para a sociedade humana”.
O futuro será uma mescla de real com virtual, e isso é um fato que já vem se consolidando desde o presente. E nossa forma de encarar isso, e principalmente inovar, é o que determinará a sobrevivência e evolução social de cada um neste novo cenário.
Ilustração da capa: Mitch Blunt
Maravilhosa análise. O que mais preocupa é a questão socioemocional de todos nós.
Impressionante. Ao que tudo indica, o mundo real, com todas suas vantagens e suas mazelas será transplantado para o mundo virtual. Sempre será a Lei do Mais Forte. Contudo, é INEXORÁVEL.
Obrigado por essa análise. Não tive contato com os benefícios corporativos até então e achei incrível.
O que me traz receio é justamente como será a regulamentação disso diante da questão pública/sócial.
seguimos fortes na transformação. Por mais naturalidade.
Adorei, obviamente porque concordo com tudo. Assustador para mim é entender que este é o caminho mais claro que vejo em minha frente, de grandes corporações utilizando nossas emoções em um jogo sem precedentes de antecipação hedônica. Isto seria como colorir 1984 e diferente do que imaginavam, a dor não é relevante na obediência, mas a dopamina e a oxitocina sim. Obrigada por compartilhar. Vou anotar algumas referências que eu não tinha para estudar mais sobre o assunto.