Estamos acostumados a ver robôs com rosto humano em ilustrações, cartoons, brinquedos etc. Mas com pele real, viva, possível de ser manipulada em expressões humanas, é algo novo.
Nessa semana, um estudo publicado na revista Cell Reports Physical Science relata que pesquisadores usando uma técnica inspirada na natureza, conseguiram anexar pele viva a estruturas robóticas.
O principal objetivo do trabalho foi alcançar uma integração perfeita da pele viva com partes do robô, o que é crucial para o desenvolvimento de robôs biohíbridos avançados com características de autocura e semelhantes às humanas.
Funções biológicas e autocura
O desenvolvimento de materiais para peles robóticas tem avançado significativamente, muitos já possuindo aparência humana, sensibilidade ao toque, autorreparação, suor ou transpiração. No entanto, estes materiais ainda carecem de todas as funções biológicas de uma pele real.
A pele cultivada, feita de células vivas e matriz extracelular, pode ser uma alternativa promissora porque pode imitar funções e capacidades biológicas da pele humana, e até mesmo a autocura. Este avanço é particularmente importante para que robôs humanóides funcionem em ambientes complexos, imprevisíveis e em constante mudança.
Sobre a Pesquisa
Métodos tradicionais de fixação de pele cultivada em robôs enfrentam desafios como deformação e risco de danos devido à falta de mecanismos eficazes de fixação. Neste estudo, os cientistas focaram no desenvolvimento e caracterização de um sistema de âncora de perfuração inspirado na estrutura dos ligamentos da pele humana para aderir equivalentes de pele a superfícies robóticas
As novas âncoras, projetadas para imitar os ligamentos da pele, permitem uma fixação segura sem comprometer a integridade estética do robô. Os ligamentos da pele, compostos principalmente de colágeno e elastina, são minúsculos tecidos de conexão que ancoram a pele aos tecidos subjacentes, permitindo expressões faciais e movimentos corporais fluidos.
O sistema envolve a criação de buracos em forma de V na estrutura do robô, que são preenchidos com um gel contendo células formadoras de pele. Este gel, feito de colágeno e fibroblastos, solidifica dentro dos orifícios para formar um ponto de ancoragem seguro para a pele equivalente.
Para uma maior penetração do gel, os pesquisadores utilizaram um tratamento de plasma à base de vapor d’água, o que torna a superfície do robô mais hidrofílica, facilitando a entrada do gel e garantindo uma forte ligação entre a pele e a superfície robótica.
Também foram realizados testes de tração e de contração para validar o sistema de ancoragem de perfuração. Foram ainda realizadas simulações computacionais para avaliar o impacto do número e disposição das âncoras no desempenho da ancoragem.
Resultados da pesquisa
O tratamento com plasma melhorou significativamente a molhabilidade da superfície do dispositivo, aumentando a penetração do gel de colágeno nas âncoras de perfuração. Esta melhora mostrou uma redução no ângulo de contato do colágeno de 37,9° para 15,6° e um aumento na área de espalhamento do colágeno de 18,0 mm² para 38,2 mm² em superfícies tratadas com plasma em comparação com as normais.
Os testes de contração demonstraram que as novas âncoras preveniram efetivamente a contração dos equivalentes da derme. Dispositivos sem âncoras apresentaram contração de até 84,5%, enquanto aqueles com âncoras de 3 mm limitaram a contração a 26,3%. Mesmo as âncoras de pequeno diâmetro restringiram a contração do tecido, com as âncoras de 3 mm apresentando maior resistência ao encolhimento.
Os ensaios de tração revelaram que a resistência de ancoragem aumentou com o diâmetro das âncoras de perfuração. Dispositivos sem âncoras apresentaram resistência à tração máxima de aproximadamente 0,03 N, enquanto aqueles com âncoras de 5 mm apresentaram resistência à tração de 0,51 N, demonstrando maior capacidade de suportar forças externas sem desprender o equivalente de pele.
Além disso, as simulações mostraram que o aumento do número de âncoras aumenta a resistência do equivalente da pele ao estresse de tração, distribuindo a força aplicada de maneira mais uniforme entre vários pontos de ancoragem.
A versatilidade das âncoras de perfuração foi demonstrada através de duas aplicações:
A primeira foi um molde facial construído e coberto com equivalente de pele firmemente preso ao dispositivo, sem se descolar mesmo quando puxado com força.
Na segunda aplicação, foi desenvolvida uma face robótica, recoberta por equivalente dérmico e camada de silicone, conectada a um slider por meio de âncoras de perfuração. O movimento deslizante do atuador deformou a camada de silicone, acionando seletivamente o equivalente da derme para criar uma expressão sorridente.
A âncora desenvolvida terá implicações significativas no campo da robótica biohíbrida, podendo ser aplicada a robôs humanóides projetados para interações sociais, saúde e setores de serviços, onde uma presença semelhante à humana seja essencial. Além disso, a capacidade dos robôs de autocurarem pequenos danos aumenta sua longevidade e reduz custos de manutenção.
Os resultados desta pesquisa podem contribuir para o campo mais amplo da engenharia de tecidos, com insights sobre técnicas eficazes de fixação de tecidos que podem ter aplicações médicas e biotecnológicas.
Conclusão
A nova abordagem conseguiu prender a pele à superfície do robô sem causar contração e é uma solução esteticamente agradável e biocompatível para integrar pele viva a projetos robóticos. Também abre caminhos para o design biomimético em robótica, visando imitar estruturas e funcionalidades do corpo humano, podendo levar a robôs mais adaptáveis, resilientes e capazes de tarefas complexas.
Os cientistas reconheceram a necessidade de maior otimização do sistema de ancoragem de perfuração e pesquisas para outras aplicações. Também enfatizam a importância de estudar os efeitos a longo prazo deste sistema na saúde e na funcionalidade da pele.
Fonte:
Kawai, M., Nie, M., Oda, H, Takeuchi, S. Perforation-type anchors inspired by skin ligament for robotic face covered with living skin. Cell Reports Physical Science, 2024, 102066. DOI: 10.1016/j.xcrp.2024.102066, https://www.cell.com/cell-reports-physical-science/fulltext/S2666-3864%2824%2900335-7
Crédito da imagem da capa:
Universidade de Tóquio