Quantas decisões você toma por dia? Ao acordar, você levanta direto da cama ou aperta o botão “soneca” do despertador? Pede ajuda na primeira dificuldade, desiste ou tenta mais um pouco com seus recursos? Come doce no meio da tarde ou depois do jantar?

Uma especialista na maneira como fazemos escolhas e tomamos decisões, a pesquisadora da Universidade Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, Sheena Iyengar, revelou que um adulto americano toma, em média, 70 decisões conscientes diariamente. Existem ainda as decisões triviais, feitas no piloto automático. Só em relação à comida, são mais de 200 por dia, segundo estudo da Cornell University.

Dificilmente saberíamos relatar todas essas decisões, conscientes ou não, pois usamos ideias preconcebidas sobre como algo funciona — os modelos mentais — para nos auxiliar. Mesmo as decisões mais importantes da nossa vida não são tão baseadas na racionalidade e na lógica. Pelo menos não tanto quanto gostaríamos.

A decisão sobre ter ou não filhos e sobre quantos filhos teremos, por exemplo. No Brasil, os índices de natalidade caíram muito nas últimas décadas, mesmo sem políticas públicas deliberadas nesse sentido. Claro, há muitos fatores que influenciam nessa decisão, como os métodos contraceptivos, mais mulheres no mercado de trabalho, recentemente a pandemia, e até o alto custo de criação de uma criança.

Um estudo publicado no American Economic Journal em 2012, porém, aponta uma razão no mínimo curiosa para essa decisão de ter menos filhos: as novelas da Globo. Os pesquisadores investigaram como as histórias contadas moldaram as preferências individuais e os valores familiares, levando a menos nascimentos, criando um novo modelo mental sobre quantos filhos uma família deve ter no Brasil.

A análise sugere que as novelas influenciam os índices de natalidade, em parte, pela maneira como retratam a realidade de suas personagens, conseguindo gerar identificação direta com o público. Ao retratar famílias com poucos filhos e histórias de sucesso e ascensão social o impacto era ainda maior, por conta do framing effect, ou, em tradução livre, o efeito enquadramento. Esse viés emocional é um dos princípios da economia comportamental. Reagimos de maneira diferente a uma mesma informação, dependendo de como ela é enquadrada (se de forma positiva ou negativa).

Da ficção para a realidade, o efeito framing também esteve em ação durante a pandemia, em que a mesma informação foi apresentada de duas maneiras diferentes, gerando dois resultados totalmente distintos. Na Nova Zelândia, o modelo mental estabelecido foi: a covid-19 é uma doença grave, extremamente contagiosa e que mata. Resultado: entre janeiro de 2020 e outubro de 2021 o país com 4,9 milhões de habitantes registrou 28 mortes por covid. Já o Brasil, com 211 milhões de habitantes, enquadrou a covid-19 como “gripezinha” e o resultado você deve estar acompanhando, mais de 600 mil mortes no mesmo período. Mesmo com números absolutos incomparáveis, por conta do tamanho da população total dos dois países, é inegável o quanto esses diferentes enquadramentos produziram danos sociais distintos em termos de conscientização da população, sobrecarga ao sistema de saúde, luto e traumas psicológicos, para citar alguns.

Um modelo mental pode ser a diferença entre vida e morte — de pessoas, de produtos. Refletem nossos preconceitos, limitações. “As grandes inovações, aquelas que mudam o mundo, precisam ser explicadas antes de serem aceitas”, diz esse artigo de 2014, da Harvard Business Review. Quando o Napster surgiu e nos mostrou que para escutar música não era mais preciso ter o CD, mas sim ser capaz de acessar a canção, tudo mudou. Com o novo modelo mental estabelecido, só havia um problema: essa maneira de ouvir música era ilegal. Depois de tentativas de rádios online, como a Pandora (alguém se lembra?), o terreno estava preparado para a chegada do Spotify. O resto é história.

Como designer de experiências, busco diariamente entender como as pessoas pensam e como entendem o mundo — em suma, quais são seus modelos mentais. Esse entendimento tem mais influência no nosso trabalho do que imaginamos e vale para muitas áreas de atuação, como educação, marketing, finanças, saúde e outras.

“Usar um modelo mental pode agilizar tarefas, tanto de forma tática, quanto do ponto de vista estratégico, orientando o design da solução. Ajuda você e seu time a tomar boas decisões para o negócio e para as pessoas. E ainda serve como um roadmap, um roteiro que garante a continuidade de visão e oportunidade.” — Indy Young, no livro Mental Models: Aligning Design Strategy with Human Behavior (Rosenfeld, 2018).

A maneira como apresentamos uma informação muda tudo

Ideias originais às vezes precisam ser emolduradas com alguma familiaridade para fazer sentido. Foi assim com os movimentos que defendiam o voto feminino e o casamento gay nos Estados Unidos. Enquanto o discurso era sobre igualdade e direitos, a mensagem esbarrava em preconceitos. Foi preciso mudar o enquadramento da ideia para funcionar. As sufragistas incorporaram a ideia de que as mulheres poderiam ajudar a melhorar a sociedade. Os defensores do casamento gay ressaltaram os valores sobre amor e comprometimento.

Ou seja, foi preciso encontrar um equilíbrio entre o repertório cultural existente na época e o desafio ao status quo, como conta o autor Adam Grant no livro Originais. O ponto de Grant é que sim, todos valorizamos a originalidade. Se for original de menos, vira chato ou batido. Se for original demais, há um risco de a mensagem não ser compreendida. Há um ponto ideal.

O ponto ideal está no cruzamento entre a originalidade da ideia e o modelo mental. Para esse encontro dar certo, é preciso colocar intenção, perceber a maneira de pensar das pessoas e dialogar com isso. E, claro, atuar de maneira ética. Afinal, todas as soluções que utilizamos e que passaram a ser naturais na nossa vida foram criadas por alguém.

Nossas decisões são influenciadas — seja por uma opinião amparada por um modelo mental ou pela maneira como a situação nos foi apresentada.

Foi pela observação do comportamento das pessoas ao utilizarem a barra do browser como buscador que fez com que o Google a transformasse exatamente nisso. O Pinterest mudou o verbo principal na sua interface de “Pin” para “Save” pois não fazia sentido para a crescente audiência global, inclusive aqui no Brasil, onde o modelo mental de “pregar” algo não era associado a criar um quadro de referências, mas sim a pregar fraldas ou botões. Até algo mais profundo, como a mudança no enquadramento das ideias sobre o voto feminino e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A mudança no framing e o encontro entre modelo mental e originalidade fez com que ideias que eram consideradas malucas conquistassem apoiadores e transformassem a sociedade.

Como fazer para encontrar o ponto ideal entre originalidade e modelo mental?

Essas são algumas perguntas que uso para me ajudar a mapear esse conhecimento:

– Quem são essas pessoas, suas preferências e em qual cenário elas estão inseridas?

– Que problema elas estão tentando resolver? E como elas resolvem esse problema hoje?

– Que comportamentos, atitudes e crenças as pessoas demonstram hoje?

– Esses comportamentos, atitudes e crenças que já existem estão alinhados com a ideia original que queremos apresentar às pessoas?

E você, qual é o seu modelo mental? Você já prestou atenção nisso? Como faz para identificar o modelo mental das pessoas para quem você cria soluções? Como você faz para entender qual a melhor maneira de apresentar uma informação para elas?

Saiba lidar com as restrições que a tal caixa impõe

Para a artista Fayga Ostrower a criatividade não seria algo exclusivo de alguns poucos escolhidos. Nos processos criativos, importam percepção, intuição, imaginação. São momentos marcados pela mistura de razão e emoção, de medidas friamente calculadas e acasos. Esse vídeo do The New York Times resume o processo criativo da criação da música “Sign o’ the Times”, de Prince, que segue bem a linha de pensamento de Ostrower. Tem percepção, intuição, imaginação. Tem razão e emoção, cálculo e acaso.

É a mistura de pensamentos e processos, e às vezes, suas restrições, que gera algo inovador. Um engenheiro, em geral, pensa em sistemas. Um psicólogo, em incentivos e motivações. Um cozinheiro, em ingredientes e sabores. Unir diferentes modelos mentais e disciplinas nos ajuda a conectar melhor os pontos, dentro ou fora da caixa. Prince absorveu terremotos, epidemia da Aids, violência, guerra de gangues e, claro, amor, para criar sua canção. Na política, durante seu mandato, Obama convidava todo mundo a colaborar com diferentes ideias, e as ouvia atentamente, como relata em seu livro Uma terra prometida (Companhia das Letras, 2020).

Prince e Obama mostram um processo em que colocam as pessoas no centro: um traduzindo o espírito do seu tempo; o outro construindo um novo tempo. Pensar diferente não é sempre pensar fora da caixa. Às vezes, é lidar com as restrições que a caixa nos impõe ou criar conexões com outras caixas.

Colocar as pessoas no centro, aliás, é algo que as empresas estão tentando implementar há mais de 20 anos. Algumas, com algum sucesso, outras nem tanto. O professor da Harvard Business School, Jeffrey F. Rayport, é bem realista em afirmar que é algo fácil de falar e difícil de fazer. Queremos colaborar, cocriar, mas talvez estejamos apenas cooperando.

Usar o efeito framing, para permitir uma nova interpretação de uma ideia, não é preencher frameworks, aquelas ferramentas ou canvas difundidos em processos de inovação. O framework é útil, fato. Ajuda a estruturar ideias e conhecimento, principalmente para quem está aprendendo. Mas não se prenda somente a isso. O framework é um resumo de contexto, pesquisa, dados, conhecimento e porquês. Por ser visual, facilita o compartilhamento das informações, mas não é a informação em si. Reframe ou reenquadrar um ponto de vista, é como direcionar a visão de alguém ao olhar pela janela. Dependendo do ângulo, uma paisagem diferente. E a maneira como apresentamos uma informação muda tudo.

Quanto tempo leva para aprender um novo modelo mental?

O modelo mental da oferta e da procura nos ajuda a entender como a economia funciona. O modelo mental da teoria dos jogos nos ajuda a entender como se estabelecem as relações e a confiança. Nenhum modelo mental sozinho é capaz de explicar o funcionamento do universo. Também seria exaustivo tentar aprender tudo novo a cada nova decisão que precisássemos tomar. Por isso, modelos mentais são tão úteis quanto imperfeitos.

Dizem que desfazer um modelo mental é mais difícil do que dividir um átomo. Mas difícil não é o mesmo que impossível, certo?

Pode ser que leve 10 anos, como no caso na Índia, em que pesquisadores descobriram que incluir mais mulheres na liderança de vilarejos no país ajuda a diminuir o preconceito de homens contra mulheres. A exposição a essa nova ideia, de ter mais mulheres na liderança, por dois ciclos eleitorais de 5 anos cada, enfraqueceu estereótipos sobre gênero na esfera pública e doméstica e eliminou o viés negativo em relação à percepção sobre a eficiência de líderes mulheres. O estudo diz que os moradores do vilarejo avaliam a liderança feminina como menos eficaz quando expostos à ela pela primeira vez, mas não pela segunda.

Ou pode ser que leve 2 minutos, como no caso da primeira interação de alguém com um novo produto digital, como explicou Susan Weinschenk, psicóloga, cientista comportamental e especialista em design de experiência do usuário, num webinar sobre Modelos Mentais do qual participei. Nesse caso, para sustentar o modelo mental, é importante ajudar as pessoas a entender, encontrar e usar a informação a seu favor.

Em 10 anos ou 2 minutos, dedicando mais ou menos esforço, há espaço para ensinar como encarar ideias originais ou até mudar a maneira como alguém pensa. É assim que um novo modelo mental se estabelece. Tão complexo quanto as novelas da Globo reconduzirem a narrativa e influenciarem o número de nascimentos no Brasil. Tão simples quanto você entender, logo ao instalar o aplicativo de idiomas Duolingo, por exemplo, que não será preciso investir muitas horas por dia, desde que você use todos os dias.

Conclusão

Os modelos mentais influenciam tudo, das decisões mais simples às mais complexas, quer você queira ou não. “Não conseguiremos resolver nossos problemas com a mesma maneira de pensar de quando os criamos”, disse Albert Einstein. Para aprender algo novo ou lançar ideias inovadoras no mundo, não é preciso ser um gênio para concluir que os modelos mentais que habitam a sua cabeça hoje vão precisar de atualização de tempos em tempos.

Primeiro, entenda que o modelo mental atual já não funciona mais. Reflita sobre qual pode ser o modelo mental necessário para encarar o futuro (e suas ideias inovadoras). Faça a transição para tornar esse futuro realidade, enquadrando as ideias intencionalmente, para que façam sentido.

Quão longe você e suas ideias estão do ponto onde originalidade e modelo mental se encontram? Por favor, atualize-se para continuar.

Conteúdos que inspiraram esse texto

Framers: Human Advantage in an Age of Technology and Turmoil

Change the mindset, change the game – TED Talk

Mindset: The New Psychology of Success

Mental Models: The best ways to make intelligent decisions

Ilustração da capa: Mark Wang

Cris Luckner

Cris Luckner é jornalista e especialista em design de experiência do usuário e referência em UX Writing no Brasil. Atualmente é Content Design Manager no Nubank. Foi repórter, produtora e editora de grandes jornais, revistas e TVs, como Folha de S.Paulo, Superinteressante e GloboNews, de 2000 a 2014, ano em que foi fisgada pelas áreas de tecnologia, inovação, produto e UX. Seu foco é na disciplina de Design de Conteúdo e UX Writing, em que aproveita toda a sua bagagem de 20 anos trabalhando com coleta e organização de informação, narrativa e escrita.

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