Se você viaja constantemente de avião, entre um tira e põe de sapatos, laptops e cintos, o vai e vem das malas com rodinhas que levam tudo o que está pela frente, você provavelmente se pergunta: por que diabos os aeroportos são sempre iguais?

Não interessa em qual região do Brasil se está, o ambiente do aeroporto sempre é genérico, sem personalidade. Essa falta de personalidade confere aos aeroportos, do Brasil e do mundo, em sua maciça maioria, um status de “não lugares”.

O termo lugar, que vem do latim localis, de locus, é algo totalmente corriqueiro no nosso dia a dia. “Não lugar”, por sua vez, é um termo desconhecido por grande parte de nós. Mas o que faz, de um lugar, um lugar?

Para a geografia humanista, em especial para Tuan, “O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado, quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar”.

Foto de Caio Esteves

Dessa forma podemos dizer que lugares são espaços com significado atribuído pelo homem, portanto só existem lugares quando existem pessoas” (ESTEVES,2016).

Lugares e não lugares

Essa discussão sobre lugares, espaços e não lugares é essencial quando falamos de senso de pertencimento, senso de lugar e, claro, de place branding.

O conceito do “não lugar” foi chamado por Edward Relph de “placelessness”. Para Marc Augé, os não lugares não apresentam carga simbólica, significado suficiente, sendo lugares genéricos, que poderiam estar em qualquer parte, em outro contexto.

No livro Place Branding, sugeri um experimento hipotético que chamei de “efeito sonâmbulo”. Nele, eu refletia sobre a possível dissonância cognitiva naqueles que, acostumados a viagens constantes a trabalho e por questões que envolvem convênios entre empresas, hospedam-se sempre na mesma cadeia de hotéis. Se extremarmos esse pensamento, podemos imaginar uma dificuldade de se entender em que cidade o viajante se encontra, uma vez que os quartos são religiosamente iguais, algo que, inclusive, é uma proposta de valor dessas cadeias internacionais, a “não surpresa”.

Isso mostra que não lugares são, antes de tudo, lugares sem alma, não reconhecíveis, lugares onde você corre o risco de não saber onde está.

Para mim, a melhor definição de não lugar veio de Gertrud Stein, escritora e poetisa americana, que, ao se referir à cidade da sua infância, Oakland, escreveu em sua obra chamada “A Autobiografia de Alice B. Toklas“:

THERE IS NO THERE THERE, ou NÃO EXISTE LÁ LÁ

A ideia de uma “alma do lugar” não é exatamente nova. “Genius loco” é um termo latino que se refere ao “espírito do lugar”, objeto de culto na religião romana, e aparece por volta de 27 a.C. Posteriormente, o geógrafo Christian Norberg-Schulz, retomou o termo para definir uma abordagem fenomenológica da relação entre identidade e lugar, tornando o conceito mais palatável para o mundo atual.

Será que os aeroportos estão fadados a serem não lugares para sempre?

Quando pensamos em aeroportos, do que lembramos imediatamente?

Das filas na imigração, da chatice de tirar sapatos, laptops, cintos, do stress de perder o voo, isso tudo quando você não pertence ao seleto grupo dos que simplesmente morrem de medo de aviões.

Além do vai e vem desenfreado e do benefício específico de ser a maneira mais rápida de ir do ponto A ao ponto B, os aeroportos têm vocações ainda inexploradas pela maioria das cidades do mundo.

“Um aeroporto é o primeiro ponto de contato e ao mesmo tempo a última memória de um destino.

Pensando a partir dessa perspectiva, os aeroportos têm o potencial de criar uma relação clara entre o lugar onde estão inseridos e os visitantes que passam por ele, isso sem contar a possibilidade dos próprios aeroportos se tornarem destinos propriamente ditos.

Se puxarmos pela memória, veremos que de alguma forma isso já foi uma verdade, em um passado não tão distante. Basta lembrar o “passeio” de paulistanos, por exemplo, onde a graça era ver os pousos e decolagens no aeroporto de Congonhas.

Aeroporto de Congonhas nos anos 50. Sem praia para passear, o paulistano frequentava o aeroporto nos finais de semana para assistir os pousos e decolagens. (Crédito: Pinterest / São Paulo Antiga)

Claro que esse fascínio não existe mais, uma vez que os aeroportos se tornaram tão banais quanto as rodoviárias, sem o glamour de outros tempos, mas ainda assim alguns aeroportos no mundo já começaram a entender e retomar essa nova/velha vocação do aeroporto como destino.

O aeroporto Changi, em Singapura, por exemplo, tem uma piscina na cobertura do hotel localizado no Terminal 1. Isso mesmo, uma piscina onde você, viajante, pode dar uns mergulhos vendo os aviões. Claro que não é de graça.

Outros aeroportos, como os da Escandinávia, trabalham de forma bastante eficiente a gastronomia local em suas áreas de alimentação e compras, uma das formas de comunicar a cultura local, além de criar áreas de repouso, uma vez que várias pesquisas apontam que passageiros mais relaxados têm propensão a gastar mais nos aeroportos.

Ou seja, começou-se a entender a necessidade de se criar uma experiência para os usuários dos aeroportos, que inclusive devem mudar de nome, de usuários para “hóspedes” ou “convidados”, como sugere o artigo do Place Brand Observer.

E no Brasil?

Por aqui, tratamos os aeroportos realmente como não lugares, não os diferenciamos uns dos outros, temos as mesmas praças de alimentação genéricas, independentemente da região em que estivermos, não contamos nada da nossa cultura local nesse importantíssimo “ponto de contato” entre visitantes e possíveis visitantes, uma vez que podemos estar no aeroporto unicamente para uma conexão de um voo mais longo.

Infelizmente, ainda não é possível compartilhar de elementos da cultura local em nenhum dos aeroportos brasileiros, mas, afinal, como fazer isso?

Uma resposta senso comum diria: “Design!” Sim, design de experiência.

A questão que trago é anterior, pois antes dessa experiência é preciso entender o que esse lugar representa, qual a sua singularidade (sempre ela), e essa é uma função do Place Branding.

A compreensão dessa singularidade é o argumento necessário para o desenho de uma experiência memorável nos aeroportos. Experiência que cria desejo, deixa saudade, que serve como uma espécie de portal entre diferentes culturas, de área de descompressão entre a realidade genérica das companhias aéreas e a cultura local que se descortinará a poucos passos.

É preciso olhar para os aeroportos como pontos de contato essenciais para as marcas-lugar e, mais do que isso, para a marca-Brasil (sim, essa mesmo que ainda não existe).

Engana-se quem acha que esse movimento é exclusivo do governo federal ou da Infraero, pois ele cabe também às companhias aéreas, que podem e devem criar experiências mais memoráveis para seus “convidados”, como por exemplo, conectando sua cultura de origem à experiência da companhia aérea, afinal, o que a Latam, Azul e Gol promovem do Brasil na experiência de seus voos internacionais?

Se olharmos a quantidade de pousos e decolagens nos aeroportos internacionais do país, poderemos ter uma dimensão da oportunidade perdida. Se somarmos só São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, tivemos 70.646.490 passageiros, só em 2016, segundo a estatística da Infraero.

Quantos deles se sentiram atraídos pelo lugar onde pousaram? Ou melhor, será que pousaram mesmo em um lugar

Mas qual seria o futuro possível dos aeroportos?

Sob a perspectiva do place branding, os aeroportos poderiam ser, além de destinos propriamente ditos, um equipamento de comunicação da singularidade dos lugares onde eles estão inseridos.

Dessa forma, seria possível criar experiências memoráveis para os usuários, principalmente quando levamos em conta o tempo gasto na espera de um voo ou conexão. Essa espera, além de mais agradável, poderia despertar a curiosidade dos passageiros por aquele destino ou, ainda, criar uma transição agradável entre o aeroporto e a cidade, entre a cultura do visitante e a cultura local.

Esse movimento se daria através do design das instalações, permanentes e temporárias, além de uma curadoria atenta às características singulares da cidade/região do aeroporto. No aeroporto Schipol, vemos quiosques dos museus vendendo todo o tipo de souvenirs de Van Gogh e cia, e, em contrapartida, o que oferecemos nos nossos? Será que encontramos JBorges para vender em Recife? Athos Bulcão em Brasília? É possível apreciar a “baixa gastronomia” carioca no Santos Dumont ou no Galeão?

Se os aeroportos são uma espécie de ponte entre destinos, eles também poderiam, ou melhor, deveriam, conectar culturas e, com isso, promover destinos.

Caio Esteves

Caio Esteves é Global managing partner of placemaking na Bloom Consulting. Fundou em 2015 a Place For Us, a primeira consultoria especializada em Place Branding do Brasil que, em 2020, se juntou a Bloom Consulting. É também autor do livro Place Branding e co-autor da versão brasileira do livro Imaginative Communities.

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