Não de hoje, os desafios que o Brasil – e os diversos “Brasis” que existem por aí – tem quando o assunto é Educação são múltiplos e complexos. Por isso, a quem se disponha a falar do tema, há que se ter o cuidado, a humildade de quem não busca apresentar respostas, mas sim estimular perguntas.
Decretada a pandemia da COVID-19 e adotadas as medidas de controle sanitário – sendo o distanciamento social uma das de maior impacto – escolas, centros de treinamento, universidades corporativas entre outras instituições dedicadas ao ensino viram-se, de um dia para outro, obrigadas a encontrar meios para continuar suas atividades, de forma a amenizar os impactos que a crise vem gerando, em maior ou menor grau, para todos nós.
Uma das estratégias utilizadas por boa parte dessas instituições foi o ensino remoto. Mas não somente. Dada as limitações de recursos existentes nos muitos Brasis, houve até entrega de conteúdos educativos porta a porta – feita por Prefeituras e até por Professores! – para estudantes sem acesso ao ambiente virtual.
Os atos de heroísmo para tamanha adaptabilidade em tão pouco tempo – ainda que com todos os percalços no percurso – foram o que aliviaram, ao menos na questão do acesso, os desafios que vieram e que certamente ainda virão para o desenvolvimento educacional do nosso país que, somados aos que já tínhamos, encorpou o caldeirão das dificuldades da Educação brasileira.
Mas apesar os esforços, segundo dados publicados, em abril de 2021, pelo IBGE / PNAD, 4,3 milhões de estudantes não tiveram acesso à Internet em 2019. Desse total, 4,1 milhões são da rede pública, contra 174 mil da rede privada de ensino. Essa é a pesquisa mais recente divulgada pelo Instituto de Pesquisa para mensurar o acesso à Tecnologia da Informação e Comunicação nos lares brasileiros. E, apesar de ser uma análise realizada no último trimestre de 2019, quando ainda não havia sido decretada a pandemia, trata-se de um dado significativo. Mais de quatro milhões de estudantes não tiveram sequer acesso ao mínimo esperado para pessoas em fase escolar: algum tipo de contato com alguma experiência educativa formal. A ponta de um iceberg de grande profundidade.
Embora seja um fato grave, além dessa ponta do iceberg que conseguimos ver concretamente, existem outros, mais sutis, que podem atingir até mesmo aqueles com a melhor tecnologia disponível.
Ter acesso ao conteúdo educacional – seja ele apresentado de forma presencial ou remota por meio de livros, programas de TV, apresentações orais ou qualquer outro recurso didático – é a primeira etapa do ensino, mas está longe de significar aprendizagem.
A palavra “aprendizagem” vem de aprendizado, que por sua vez significa “exercício ou desempenho inicial do que se aprendeu; aprendizagem, experiência prática”.
Assim, repertório informacional é a base, e muitas vezes nossos desafios já começam aí.
De acordo com um dos principais teóricos do desenvolvimento intelectual humano, o “pai” da Teoria da Aprendizagem Significativa, o americano David Ausubel, entender minimamente uma informação requer que, se tenha na estrutura cognitiva do indivíduo, conhecimentos prévios que se vinculem com a nova informação. Caso contrário, há somente um ato mecânico de memorização que tende a ser esquecida em pouco tempo. Ultrapassado esse ponto, há outras etapas na escala que garantem o que significa uma aprendizagem efetiva.
Um dos mais conhecidos recursos educacionais que pode dialogar com a teoria da Aprendizagem Significativa é a Taxonomia de Bloom. Resultado do trabalho de uma comissão multidisciplinar de especialistas de várias universidades dos Estados Unidos, liderada por Benjamin S. Bloom, no ano de 1956, é um sistema de classificação que organiza os objetivos educacionais em ordem crescente – do mais simples ao mais complexo. Assim, para que o estudante possa passar para as etapas superiores, deve-se garantir o domínio das anteriores. Receber e assimilar a informação está na segunda etapa de baixo para cima da Taxonomia (laranja clara), onde a pessoa deve ser capaz de compreender e explicar uma ideia ou um conceito.
Num país onde muitas vezes estudantes são aprovados sem os conhecimentos necessários, onde há dificuldade de leitura e compreensão de parágrafos curtos, e boa parte dos professores começam a atuar sem conhecimentos teóricos e práticos básicos para o exercício da profissão, a dificuldade já começa no estudante assimilar o que lhe é dito. Ficamos, literalmente, na base da pirâmide.
Não há aprendizagem sem prática, e não há prática sem repertório básico. Para desenvolver habilidades e produzir conhecimento, é preciso, além do acesso à informação, diversas e significativas oportunidades de aplicação dessas informações.
Passado o momento de abruptas adaptações que, bravamente, estudantes e Professores realizaram, é importante que o formato de ensino remoto em caráter emergencial não seja confundido com Educação à Distância, outra modalidade que integra de forma planejada uma experiência completa de ensino e aprendizagem, ultrapassadas as limitações de tempo e espaço. No entanto, enquanto perdurar a pandemia, e escolas estiverem fechadas, melhorar o ensino remoto é urgente. É fundamental também que alunos e professores da escola pública tenham conectividade.
Sabendo que as tecnologias vieram para ficar – ainda que compartilhando espaço com o ensino presencial, a chamada “Educação em formato híbrido” – é essencial não perdermos de vista que recursos virtuais de aprendizagem são meios, não um fim em si mesmo.
Garantir acesso às tecnologias é o suporte da base da pirâmide, mas mais importante são as experiências educativas que serão desenvolvidas por meio delas: planejadas, sistematizadas, refletidas, avaliadas. Para os estudantes, experiências que façam sentido: do início ao fim.
Uma experiência educacional, seja ela presencial ou remota, em cenários com ou sem pandemia, é um meio para desenvolver pessoas. Pessoas que consigam compreender adequadamente uma informação e que sejam capazes de refletir sobre ela, de aplicá-la em novas e diferentes situações, relacioná-las com outras, transformando-as e produzindo novos e necessários conhecimentos para que o Brasil possa chegar ao topo da pirâmide.
Ilustração: Liza Rusalskaya
Texto incrível!
[…] estando relacionadas a operações mentais relativas ao topo da pirâmide das principais taxonomias. Ou seja, para “chegar ao topo”, é preciso subir todos os degraus anteriores de conhecimentos […]