Se você precisar entrar em um hospital para realizar um procedimento cirúrgico, é muito provável que estará muito menos em risco do que 10 anos atrás.

Hospitais, médicos, profissionais e pesquisadores têm feito progressos significativos ao longo da última década para melhorar a segurança dos pacientes.

No entanto, ainda há riscos que poderiam ser evitados.

Há vários relatórios independentes que revelam que erros médicos é um problema generalizado (e sério). Pesquisa recente sugere que erros que poderiam ser evitados, são responsáveis por 3% a 5% das mortes em hospitais.

O que deve ser feito então para melhorar a segurança do paciente?

Amir A. Ghaferi professor de cirurgia na Universidade de Michigan e três professores da Johns Hopkins UniversityChristopher Myers, Kathleen M. Sutcliffe e Peter J. Pronovost – explicam em um artigo na Harvard Business Review o que precisa ser melhorado nos hospitais.

A pesquisa realizada pelos quatro médicos sugere uma terceira onda para melhorar a segurança do paciente.

Nós, do O Futuro das Coisas, fizemos uma compilação das recomendações que você pode ler a seguir.

A Primeira Onda: avanços técnicos

A primeira onda de inovação foi (e continua sendo) centrada em torno de melhorias nas técnicas cirúrgicas.

Instrumentos de alta qualidade estão cada vez mais acessíveis, como também há um maior conhecimento e maior compartilhamento entre os médicos sobre as complicações cirúrgicas e as melhores práticas.

Ao mesmo tempo, novos simuladores de pacientes (de alta fidelidade) e laboratórios de habilidades cirúrgicas, permitiram aprimorar o desempenho dos cirurgiões.

Talvez o maior avanço técnico tenha sido a cirurgia laparoscópica (minimamente invasiva), que permite aos cirurgiões realizarem operações complexas através de pequenas incisões na pele.

cirurgia laparoscopica

Cirurgia laparoscópica (minimamente invasiva). Crédito: Meden bio

 

Todos esses avanços técnicos têm reduzido, e muito, a mortalidade dos pacientes. No entanto, segundo os quatro pesquisadores, o aperfeiçoamento contínuo de práticas cirúrgicas e os benefícios das melhorias técnicas podem ser muito mais incrementais, tendo assim menor impacto na melhoria da segurança.

Em outras palavras, os maiores ganhos em relação à segurança do paciente (e reduções na mortalidade) podem já ter sido conquistados.

Os quatro médicos criaram um gráfico (veja abaixo) para demonstrar como chegamos a um achatamento da curva de mortalidade dos pacientes em relação aos avanços técnicos.

segurança do paciente

 

Mesmo com esse ápice da primeira onda, os autores reconhecem que ainda há muito que melhorar na tecnologia cirúrgica. Como exemplos citam um maior uso de câmeras de alta resolução de imagem 3D, o melhoramento de instrumentos de laparoscopia, e um maior acesso aos robôs cirúrgicos que permitam procedimentos mais precisos.

A Segunda Onda: padronização de procedimentos

A segunda onda de inovação cirúrgica é inspirada em grande parte no “errar é humano”.

A lógica desta onda está enraizada na ideia de padronizar o atendimento ao paciente – da mesma forma que Henry Ford fez na produção de automóveis – para torna-lo mais consistente e assim conseguir melhorias drásticas na segurança.

Seguindo essa onda, os hospitais começaram a identificar os principais processos que precisavam ser conduzidos exatamente da mesma forma, toda vez que fossem realizados.

Surfando nessa onda, os hospitais criaram sistemas de recompensa e de punição, que incluem métricas de qualidade para avaliar o desempenho dos profissionais e das equipes.

Uma inovação chave de padronização foi a implementação de checklists na realização de procedimentos cirúrgicos. Em vez de cada médico ou enfermeiro desenvolver a sua própria abordagem de cuidados ao paciente, o check-list padronizava uma sequência do que precisava ser feito.

E de fato, a pesquisa realizada pelos quatro médicos constatou que o uso sistemático de checklists ( produziu reduções significativas na mortalidade de paciente e outros resultados adversos, como infecções.

cirurgia checklist

No entanto, estas melhorias estruturais com o tempo, diminuem um pouco a sua utilidade. Embora a padronização funcione bem na fabricação industrial, a natureza complexa dos cuidados ao paciente (caso-a-caso), tem levado essa segunda onda para o ponto de retornos decrescentes com a adesão de checklists e protocolos.

Os autores citam o Projeto de Melhoria dos Cuidados Cirúrgicos (SCIP), destinado a melhorar a adesão aos checklists para reduzir infecções cirúrgicas, coágulos sanguíneos, e ataques cardíacos. Porém, mesmo com as taxas de adesão aumentando, houve pouca evidência de melhores resultados para o paciente.

A Terceira Onda: organização altamente confiável

A pesquisa dos quatro médicos aponta para uma nova onda de inovação para a segurança do paciente, onde avanços significativos ainda estão sendo feitos:

A terceira onda é a melhoria na forma como médicos e prestadores de cuidados de saúde se organizam para um desempenho altamente confiável.

A alta confiabilidade, eles conceituam, repousa sobre a noção de que, a fim de alcançar um alto desempenho – especialmente em condições difíceis – há uma forte atenção em como as pessoas da equipe interagem entre si e organizam o seu trabalho no dia-a-dia.

Em contraste às inovações técnicas ou estruturais que visam reduzir desvios e variações e ditar uma forma de funcionamento, essa organização está atenta aos comportamentos, práticas e interações que se desdobram entre as pessoas e como elas cuidam de seus pacientes.

segurança do paciente 2

Crédito: American Academy of Otolaryngology–Head and Neck Surgery

 

Essa terceira onda reconhece que o excesso de padronização pode aumentar os riscos. Seguir um sistema perfeitamente padronizado ignora o fato de que cada paciente seja diferente.

Portanto, propiciar mais segurança aos pacientes envolve ter padronização sim, quando for possível, mas também abraça a possibilidade das variações, em vez de simplificar os pacientes em uma categoria. Envolve aprimorar práticas para responder a uma série de demandas, reconhecendo que há sempre espaço para melhorias.

A pesquisa dos quatro médicos revela que as organizações de alta confiabilidade alimentam uma cultura de confiança, fomentam relações fortes, e tendem a demonstrar cinco características-chave que ajudam a manter o desempenho confiável:

1- A preocupação com o fracasso

2- A relutância em simplificar interpretações

3- A sensibilidade às operações

4- O compromisso com a resiliência

5- A deferência à expertise

A capacidade de “resgate”

A pesquisa descobriu que tanto faz: hospitais com altas ou baixas taxas de mortalidade possuem taxas semelhantes de complicações cirúrgicas.

Isto implica que as diferenças nas taxas de mortalidade não podem ser simplesmente atribuídas à redução das taxas de complicações cirúrgicas.

Em vez disso, parece que médicos e cuidadores em alguns hospitais são mais capazes de “resgatar” pacientes mesmo num ambiente de complicações, o resulta em menores taxas de mortalidade.

Em outras palavras, não vale apenas padronizar procedimentos ou usufruir das melhorias técnicas. É preciso que médicos e sua equipe organizem o trabalho para que reconheçam quando algo está errado (antes que tenha dado errado) e possam se adaptar para resgatar o paciente.

Como resume o renomado cirurgião Atul Gawande:

“Isto é o que distingue os bons dos medíocres. Não é que eles falham menos, eles resgatam mais”.

Na maioria dos casos, a morte após uma cirurgia é o culminar de uma cascata de eventos, que pode começar com uma complicação inicial na cirurgia, seguida por um atendimento descuidado (onde o paciente deveria retornar à sala de cirurgia ou ser transferido para uma UTI) e complicações de efeito “dominó” (como pneumonia ou insuficiência renal), que, finalmente, leva à morte do paciente.

Esta “falha no resgate” ocorre quando a equipe médica não consegue reconhecer e corrigir essas complicações. Mas, representa uma oportunidade significativa para melhorar a segurança do paciente através de uma melhor organização.

A falha em salvar o paciente também é impulsionada pelos próprios elementos do ambiente hospitalar (como a falta de sistemas ou estruturas no local para orientar os cuidados), pelas características dos profissionais (conhecimento, consciência e atenção), e pelo sistema de cuidados pós-operatório do paciente (a cultura e as práticas de enfermeiros, médicos e outros funcionários do hospital).

Em resumo

Identificar alavancas que possam melhorar os cuidados e a segurança dos pacientes vai exigir um foco intenso na forma como as pessoas, processos e práticas se unem na assistência a eles, em vez de concentrar-se apenas em inovações técnicas ou estruturais.

Os quatro pesquisadores citam o exemplo do PERFECT (Perioperative Enhancement of Rescue by Fostering Engagement, Communication, and Teamwork), iniciativa da Universidade de Michigan que visa “construir um sistema ideal de resgate” habilitando os profissionais de saúde a organizarem melhor seus esforços para lidar com o inesperado.

O atendimento seguro e altamente confiável ao paciente é a meta final de qualquer esforço de melhoria. Mas, é preciso reconhecer, segundo os pesquisadores, que a segurança do paciente é um alvo dinâmico, em movimento, e as abordagens médicas devem continuar a evoluir no mesmo ritmo.

O Futuro das Coisas

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