No dia a dia, é comum respondermos enquetes e avaliações sobre um atendimento ou um serviço prestado, como uma consulta médica. “De uma escala de 1 a 5 qual nota você dá para a pessoa que lhe atendeu?”, indaga a voz robótica do outro lado da linha. Algumas avaliações chegam até mesmo a auscultar nossa vida pessoal: “Como você se sente, em uma escala de 1 a 10, em relação ao seu trabalho, seu cônjuge, sua saúde…?”
Essas classificações são subjetivas, consideradas de relevância e precisão pouco claras. Mas, um novo estudo, publicado no dia 3 de outubro, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), descobriu que percepções e sentimentos humanos podem ser expressos numericamente refletindo alta precisão e com maior poder preditivo sobre nossos comportamentos e atitudes no futuro do que estudos que consideram fatores socioeconômicos, como renda familiar e emprego.
“Esses números carregam uma quantidade imensa de informações”, afirma o coautor do estudo Andrew Oswald (professor de economia e ciência comportamental da Universidade de Warwick)
Oswald e seus colegas coletaram informações de três grandes conjuntos de dados de quase 700.000 pessoas na Alemanha, Austrália e Reino Unido. Os participantes, ao longo de três décadas, anualmente eram questionados em uma escala numérica sobre como se sentiam em relação ao seu trabalho, cônjuge, saúde e moradia.
A partir dos dados coletados, os pesquisadores construíram modelos estatísticos para mostrar como as pessoas se sentiam e as ações que elas tomaram como resultado dos sentimentos relatados. O estudo descobriu que as classificações de satisfação com a vida tinham uma relação linear direta com as ações que as pessoas realizavam posteriormente. “O estudo mostra a relação entre os sentimentos que relato hoje e minhas ações amanhã”, compara Oswald.
Os participantes que atribuíram nota 2 para satisfação no trabalho (escala de 1 a 7), por exemplo, tiveram uma probabilidade 25% maior de deixar o emprego no trimestre seguinte. Aqueles que classificaram como 6 tiveram apenas 10% de probabilidade de pedir demissão. O mesmo aconteceu em outras avaliações, como casamento, saúde e moradia. Da mesma forma, aqueles que pior avaliaram seus casamentos eram mais propensos a se divorciar, e aqueles que avaliaram positivamente sua saúde eram menos propensos a serem hospitalizados.
Pesquisas anteriores já tinham mostrado que dados sobre sentimentos predizem ações humanas, mas não de forma tão linear; o grau de satisfação (ou insatisfação) serviu como um bom preditor de ações futuras. Por exemplo, um estudo de 2001 publicado no American Journal of Psychiatry descobriu que aqueles que classificaram suas vidas como notas inferiores tiveram risco maior de suicídio em um período de 20 anos. Um estudo da PNAS, de 2012, de coautoria de Oswald, mostrou que a satisfação com a vida na adolescência estava correlacionada com maiores rendas relatadas na idade adulta.
O que esse novo estudo aponta é que a mensuração dos sentimentos vai além da Psiquiatria e da Psicologia e se estende à Economia. Métricas e indicadores como o PIB (produto interno bruto) são preferidos pelos economistas para prever comportamentos humanos que tendem a não valorizar dados sobre sentimentos porque não os consideram científicos e confiáveis.
“Nosso trabalho apresenta evidências científicas de que usar dados sobre sentimentos é extremamente valioso e precisamos trazê-los para o centro da economia e da formulação de políticas sociais”, defende Oswald. O estudo mostrou que fatores socioeconômicos – como renda familiar, renda relativa, situação empregatícia, patrimônio, tamanho da família, número de filhos, estado civil e educação – tiveram menor probabilidade de prever o comportamento humano do que os dados sobre sentimentos.
Embora o estudo tenha mostrado que números podem quantificar sentimentos, os pesquisadores estão intrincados (e também perplexos) de como eles, aparentemente subjetivos, podem ser tão bons preditores de ações futuras. Oswald supõe que os seres humanos são versados em pensamento comparativo e são hábeis em escalar sua satisfação com a vida em relação à de outras pessoas. E complementa que também estamos acostumados a usar dispositivos para medir temperatura, distância e peso, por isso não deveria ser surpresa que possamos medir nossos sentimentos de maneira igualmente precisa para outras áreas da vida, como relacionamentos e carreira.
“Os seres humanos são, de alguma forma, capazes de olhar para dentro de si e intuitivamente dimensionar seus sentimentos chegando a números verdadeiramente significativos” – Andrew Oswald
O coautor do estudo, Caspar Kaiser, pesquisador do Centro de Pesquisa de Bem-Estar da Universidade de Oxford, diz que uma explicação para que os sentimentos apareçam nos dados com maior precisão do que nos marcadores objetivos pode ser porque diariamente exercitamos nossos músculos mentais. “Comunicamos nossos sentimentos o tempo todo, e fazemos isso de forma escalonada. Hoje, nos pedem pra avaliar quase tudo, de restaurantes a podcasts, e isso é apenas uma extensão de algo que já estamos fazendo”.
Ori Heffetz, professor de economia da Universidade Cornell e da Universidade Hebraica de Jerusalém, considera que este estudo (Ori não participou dele) mostra que dados sobre sentimentos não devem ser subestimados, mesmo que sejam mais difíceis de estudar. “Se você quer entender o comportamento das pessoas, precisa entender suas percepções, sentimentos e expectativas sobre sua própria realidade.”
Olhando para o futuro, Kaiser espera que esses dados possam ser estudados em países de baixa renda para que possam ser aplicados universalmente em lugares com diversos níveis de desenvolvimento econômico. Seu foco é descobrir porque os sentimentos funcionam tão bem. “Embora saibamos que os humanos têm uma capacidade notável de codificar seus sentimentos em uma escala cardinal, ainda não sabemos ao certo como isso é feito”.
Crédito da imagem: Pasuwan/Shutterstock