Generosidade, palavra que vem do latim generōsus – significando “parente”, “clã”, “raça”, que por sua vez tem raiz indo-europeia, gen, que significa gerar ou fazer nascer –, até o século 16 refletia um senso aristocrático de pertencer à uma linhagem nobre. Ser generoso era literalmente uma forma de dizer “pertence à nobreza”.
Durante o século 17, o significado e o uso da palavra começou a mudar. Generosidade passou a identificar, cada vez mais, não a herança familiar, mas uma nobreza de espírito associada à qualidades admiráveis de uma pessoa, não mais dependendo da sua história familiar.
A generosidade é definida pela Universidade de Notre Dame como “a virtude de dar coisas boas aos outros de forma espontânea e plena.” Não em dar presentes, mas em ajudar outras pessoas, seja compartilhando tempo, energia, recursos materiais e conexões sociais.
Mas, por que algumas pessoas são mais generosas do que outras?
Na parábola do Bom Samaritano, um viajante é abordado por ladrões numa estrada deserta e perigosa, roubando-lhe tudo o que tinha e vestia. Eles ainda o espancam e o deixam estirado à beira da estrada. Mais tarde, dois viajantes – um deles, sacerdote – passam pelo homem que agonizava, mas fingiram não vê-lo e seguiram reto, negando ajuda. Finalmente, um samaritano desce a estrada. Vendo o homem naquele estado, cuidou dos seus machucados, carregou-o em um burro até uma pousada próxima e ainda pagou por sua estadia.
Por que os outros dois viajantes não pararam? Quais são os fatores sociais, culturais, psicológicos e biológicos que incentivam as pessoas a doar tempo, ajuda e dinheiro? Que efeitos o comportamento generoso tem no bem-estar? O que explica as diferenças nos níveis de generosidade entre as pessoas – e o que pode encorajá-las a dar mais? Existem estratégias baseadas em evidências para que cultivemos um maior grau de generosidade?
Essas perguntas deram origem a numerosos estudos, cujos resultados são apresentados em um relatório encomendado pela John Templeton Foundation. O documento nos dá uma visão geral de mais de 350 estudos e meta-estudos publicados entre 1971 e 2017.
As raízes da generosidade
Após décadas de pesquisas que presumiam que a natureza humana era intrinsecamente egoísta, nos últimos anos houve um entendimento maior e mais matizado sobre a generosidade. Embora os estudos sugiram que os humanos têm uma propensão para o interesse próprio, também revelam que somos uma espécie generosa.
Na verdade, a generosidade tem suas raízes em nossa biologia e história evolutiva. Diversas espécies animais demonstram formas de generosidade, descritas como “comportamento pró-social” – atos que beneficiam os outros. Essas demonstrações entre as espécies sugerem que pode ser uma adaptação evolutiva que ajudou a sobrevivência delas – e a nossa.
Outros estudos descobriram demonstrações consistentes de generosidade entre crianças. A maioria delas, aos três anos, compartilha igualmente as recompensas de uma tarefa colaborativa, mesmo quando poderia ter escolhido mais para si. Crianças de cinco anos, aumentam a quantia que compartilham com alguém que acham que pode retribuir sua generosidade. À medida que crescem, as tendências naturais que por ventura tenham, são moldadas e reforçadas por relações sociais e normas culturais.
Efeitos positivos em quem é generoso
O comportamento generoso aciona as mesmas vias de recompensa desencadeadas pela comida e pelo sexo – uma correlação que pode ajudar a explicar por que nos faz sentir bem.
Muitos estudos apontam para possíveis impactos positivos. Oferecer apoio – seja tempo, esforço ou bens – está associado a uma melhor saúde geral em adultos, e o voluntariado está associado à maior longevidade. Há associações fortes com a saúde psicológica e o bem-estar. Uma meta-análise de 37 estudos com adultos mais velhos descobriu que aqueles que eram voluntários relataram maior qualidade de vida, maior vitalidade e autoestima.
Outros estudos mostraram uma ligação entre generosidade e felicidade. Por exemplo, uma pesquisa com 632 americanos descobriu que gastar dinheiro com outras pessoas estava associado a uma felicidade significativamente maior, independentemente da renda; inversamente, não houve associação entre gastar consigo mesmo e felicidade. Mesmo pequenos atos de gentileza – como pegar um objeto que outra pessoa deixou cair – fazem as pessoas se sentirem felizes.
A generosidade também está associada a benefícios no ambiente de trabalho (como redução de burnout) e nos relacionamentos (maior contentamento e parcerias mais duradouras). Demonstrou-se que a generosidade para com os outros ajuda a suavizar o “ruído relacional” – que pode emergir de mal-entendidos cotidianos – aumentando a confiança nas relações.
Fatores individuais ligados à generosidade
Sentimentos de empatia e compaixão podem nos motivar a ajudar. Um dos estudos descobriu que a empatia cria uma sensação de “unidade” com os outros – e concluiu que, quando ajudamos outras pessoas neste estado de unidade, sentimos como se estivéssemos ajudando a nós mesmos.
Certos traços de personalidade, como humildade e afabilidade, estão associados ao aumento da generosidade. Os valores e o senso moral e de identidade de uma pessoa também podem afetar o quão ela demonstra atos generosos de forma voluntária.
Sentimentos de contemplação e de admiração também nos levam ao altruísmo, seja contemplando a natureza ou admirando o rosto de um recém-nascido. Os participantes de um estudo que se maravilharam com um bosque de eucaliptos pegaram mais canetas que “acidentalmente” o pesquisador deixou cair no chão do que os participantes que apenas olhavam para um prédio. Aliás, os ambientes naturais podem inspirar generosidade – um estudo até descobriu que nos comportamos mais generosamente em uma sala cheia de plantas.
Drivers sociais e culturais
A generosidade também é influenciada por normas culturais e por padrões básicos de justiça de uma sociedade. A pressão social também pode influenciar. Quanto mais generosos forem seus amigos, colegas e família, mais generoso ou generosa você provavelmente será. A generosidade é socialmente contagiosa.
A influência do nível socioeconômico é complexa, com estudos sugerindo que tanto pessoas mais pobres quanto as mais ricas podem ser generosas, dependendo do contexto. Quer tenhamos uma posição socioeconômica privilegiada ou não, é muito mais provável que ajudemos uma pessoa ou um grupo com uma necessidade específica do que alguém anônimo.
A generosidade é um ato inerentemente social, e é fortemente influenciada pelas expectativas sociais. Vários estudos sugerem que as pessoas agem generosamente na expectativa de retribuição, ou pela sensação de estar sendo observadas ou porque acreditam ou presumem que isso irá melhorar sua reputação.
Em um experimento realizado no parque nacional da Costa Rica, por exemplo, visitantes que souberam o valor médio que estava sendo doado deram 4% a mais em comparação com aqueles visitantes que não foram informados quanto seus colegas doaram. O mesmo estudo também descobriu que as pessoas que doaram em privado deram 25% menos do que aquelas que doaram publicamente.
Pais e/ou mães também desempenham um papel importante no cultivo da generosidade. Alguns estudos indicam que a modelagem de papéis e a constante discussão sobre generosidade – podem ajudar as crianças a se tornarem adultos mais generosos.
Outros estudos indicam que o envolvimento com uma mídia – seja televisão, música ou videogame – com tema pró-social, pode levar as pessoas a se comportarem de forma mais generosa. Em um estudo com 768 clientes de restaurantes franceses, aqueles que ouviam música com tema pró-social enquanto comiam tinham uma probabilidade significativamente maior de deixar uma gorjeta – e suas gorjetas eram muito maiores do que as de outros clientes.
Outro estudo, citado no relatório, que usou dados de 3.572 lares americanos, revelou que um gênero não é mais generoso do que o outro, mas demonstram generosidade de maneiras diferentes. Os homens, por exemplo, tendem fazer doações motivados por renda e por incentivos fiscais. Eles doam mais dinheiro para algumas poucas causas, enquanto as mulheres apoiam um maior número de instituições com valores mais baixos.
Quando se trata de voluntariado e religiosidade, aparece uma correlação mais forte. Vários estudos mostram que pessoas religiosas doam mais e são mais voluntárias. Até porque, participar de serviços religiosos é um forte indicador da disposição de alguém em oferecer tempo e energia, de forma voluntária, para outras pessoas.
Pesquisas futuras
Existem perspectivas promissoras para a ciência da generosidade, como o desenvolvimento de estratégias que possam aumentar a empatia das pessoas – e, portanto, sua generosidade – bem como mais estudos sobre os benefícios para a saúde. Problemas de saúde associados ao isolamento social e à solidão, hipoteticamente, poderiam ser amenizados com maior tempo ajudando os outros.
Pesquisas em andamento estão descobrindo métodos práticos para cultivar a generosidade – seja em relação à doação de tempo ou dinheiro. Se uma maior generosidade pode trazer benefícios mensuráveis para quem é generoso, esse ciclo positivo pode contribuir para o desenvolvimento humano e da sociedade.
Excelente artigo Lilia.
Hoje mesmo eu estava a pensar sobre a minha generosidade.
Estava a pensar como tanta das minhas virtudes não são vistas, ou o quanto de diferença eu faço no meu ambiente de trabalho. Mas esse artigo fez todo sentido Par a mim. Espero em um futuro próximo fazer o mesmo… escrever sobre tudo o que é importante mesmo que aparentemente não seja notado, mas que seja sentido. O nobre projeta coisas nobres.
Sucesso.
Que sensibilidade ! Acredito que seja melhor assim, deixando de ser percebida através de palavras mas genuinamente sentida pelas pessoas. Por outro lado, se as palavras forem expressas no sentido de retribuição é sinal que você conseguiu no seu silêncio expandir a sua generosidade.
amei muito obrigada pelo estudo, aprendi muito !
Sinto que a generosidade se amplia à medida que se dá, como o Amor! Como diz o Vinicius de Moraes,” é impossível ser feliz sozinho”!
Penso que haja um reconhecimento de que foi ajudado no passado. Que foi alcançado pela generosidade de alguém. Seria, então, não o pagamento de uma dívida, mas a gratidão por algo ou alguém.
Quanto ao futuro, a generosidade tem a ver com uma visão, um desejo de deixar algo em alguém; algo que mude sua vida. Nesse caso, não se pensa em crédito, mas na satisfação te ter feito a diferença para outra pessoa.
Na história do bom samaritano, entendo que não devo esperar que alguém seja o meu próximo, mas eu é que devo ser o próximo para alguém.