Nunca houve tanta atenção voltada para os jogos eletrônicos como nesses últimos tempos. Os números são grandiosos quando falamos de faturamento, audiência, transmissões e pessoas jogando.

Recentemente, notícias relataram que os ganhos totais da indústria Gamer foram maiores do que a soma dos faturamentos do cinema e esportes americanos, totalizando um valor de $174 bilhões de dólares. É um marco histórico que, diante de uma das métricas mais cobiçadas e perseguidas pelas empresas [faturamento], os Games terem atingido um desempenho maior do que indústrias já consolidadas

O gráfico abaixo mostra de 1quais tipos de dispositivos vêm os ganhos dessa indústria.

Mobile (smartphones e tablets) assume a liderança nos ganhos (US$ 86 bilhões), seguido pelos consoles (US$ 51,2 bilhões) e PC (US$ 37,4 bilhões) – Fonte: Newzoo

Quando observamos o comportamento desse mercado nos anos anteriores, visualizamos uma crescente ao longo do tempo. O gráfico abaixo, de 2018, mostra a progressão desde 2012 e uma estimativa precisa dos resultados que de fato foram alcançados em 2019 e 2020.

Mercado Global de Games em 2020-2021 – Fonte: Newzoo

Podemos constatar que a indústria dos Games segue um caminho que, de certa forma, já estava previsto. Em 2018, um artigo da Reuters destacou algumas das principais áreas de investimento do mercado. Nessa época, a indústria dos Games já batia as da TV, música e filmes.

Breve história dos Games

Antes de se equiparar às grandes indústrias do entretenimento e esporte, desde os anos 1970 os jogos eletrônicos são um mercado significativo – década em que houve muitas invenções. 

Os anos 80 foram marcados pela utilização de PCs para jogar e por uma série de lançamentos de consoles e jogos. 

Em 1983, após a entrada de diversos players no mercado, além de problemas de licenciamento e publicação, aconteceu o famoso ‘video game crash’ ou ‘quebra da indústria dos video games’. Apesar da queda, foi uma década de ouro para os jogos, quando empresas como Sega, Atari e Nintendo.

Durante a década de 90, presenciamos a consolidação da Nintendo e a entrada da Sony no mercado de consoles. Já os jogos de PC estavam cada vez mais massivos e emerge o movimento mobile, marcado pelo famoso Snake – jogo cobrinha nos telefones da Nokia. 

Nessa época, também surgiram os primeiros grandes campeonatos presenciais nos EUA. 

O que roubou a cena no Brasil nos anos 2000 foram as Lan Houses –– estabelecimentos com computadores conectados em redes locais (no caso Local Area Networks), onde era possível jogar multiplayer, ou seja, várias pessoas jogando juntas e ao mesmo tempo, em um cenário virtual único. Não há dúvidas que esse movimento foi um dos responsáveis pela popularização dos jogos eletrônicos e o início da Cultura Gamer.

Nos anos seguintes, com o maior acesso à internet, dá início a era que conhecemos atualmente. Muitas pessoas jogando online e uma gama cada vez maior de jogos. O lançamento da Twitch, 2010  – primeira plataforma a popularizar o Streaming com foco em Games, aumentou o consumo de conteúdo sobre jogos, pois qualquer pessoa poderia fazer o Streaming do que estava jogando.

O crescimento da receita dos jogos – Fonte: Visual Capitalist / Pelham Smithers

Se você quiser saber detalhes dos jogos entre as décadas 1960 e 2010, acesse esse site.

Mas por que só agora os holofotes se voltam para este mercado?

Uma das respostas mais plausíveis é a situação de isolamento social que o mundo vive desde 2020 e que ainda se mantém em vários lugares. Diversos artigos que analisam o desempenho desse segmento, enfatizam o óbvio: o baixo volume de pessoas nos eventos presenciais fez com que os ganhos em vários mercados despencassem. Já os games, por terem grande parte de suas atividades de forma digital, não só deixaram de perder, mas aumentaram suas receitas.

Além do contexto pandêmico, também precisamos considerar aspectos de evolução tecnológica, cultura digital e perfil das gerações de quem praticou e ainda pratica.

 Maior acesso a dispositivos móveis

A quantidade de pessoas que têm acesso a tablets e smartphones é cada vez maior. Segundo a GSM Intelligence, existem 5.22 bilhões de dispositivos móveis hoje no mundo. No entanto, sabemos que ainda existe uma parcela significativa da população que não tem condições de acessar essa tecnologia.

As desenvolvedoras de games olham para esse segmento de mercado há quase três décadas. Já existiam outros dispositivos portáteis (chamados de handheld) antes dos smartphones e tablets, mas o lançamento do iPhone, em 2007, marcou uma nova era nos jogos mobile. A partir disso, outras empresas também lançaram dispositivos similares e possibilitaram a criação de jogos para seus sistemas operacionais.

Crescimento das receitas dos games em dispositivos Mobile – Fonte: Visual Capitalist / Pelham Smithers

De 2009 a 2012, foram lançados jogos como Candy Crush, Fruit Ninjas, Subway Surfers, Angry Birds. Estes, foram os grandes responsáveis por inserir muitas pessoas, que não praticavam jogos eletrônicos em PC ou Console, no universo Gamer. 

Em seguida, aconteceu outro fenômeno no mercado, o Pokémon Go, um jogo que utilizou mais recursos dos smartphones, inserindo interações através de localização e imagem. A tarefa do jogo é simples: o usuário interage com um mapa baseado no mundo real (inicialmente o Google Maps e atualmente o OpenStreetMap). O jogador se localiza e procura Pokémon por meio desse mapa.

A experiência de usuário, a jogabilidade e o ecossistema que se forma em torno do Pokémon Go foram inéditas e chaves para o sucesso que se mantém até os dias de hoje.

Quando os grandes jogos de PC e console, como Call of Duty, Fortnite, PUBG, foram incorporados em smartphones e tablets, mais pessoas passaram a ocupar espaço no segmento mobile, ou seja, até então estávamos falando de pessoas que não praticavam jogos eletrônicos em outras plataformas, ou de outro grupo que não tinham acesso a computadores e videogames, mas gostariam de praticar estes jogos já consagrados. 

Podemos concluir que o sucesso dos jogos mobile é feito da soma de diversos fatores históricos. Além da sua acessibilidade, o mobile possibilita experiências tão boas ou melhores que as outras plataformas.

Consumo digital de conteúdo

O público gamer, independente da idade, tende a ter uma alta familiaridade e usabilidade da internet, já que costumam utilizar o digital para consumir conteúdos sobre Games e fazer compras dos próprios jogos, além de comprar equipamentos e acessórios. Diferentemente dos esportes presenciais, os jogos eletrônicos precisam utilizar plataformas de streaming e outros meios digitais. 

Esse consumo digital foi ainda mais ampliado quando os canais de esportes passaram a transmitir competições em suas grades, com profissionais que analisam partidas, comentam os melhores momentos e cobrem jogos de pessoas que não são gamers profissionais, mas que jogam bem, provendo entretenimento. A Twitch, por exemplo, que foi a primeira plataforma massiva de streaming games lançada em 2010, nasceu como uma mistura de gamers experientes transmitindo seus jogos, fazendo comentários, com um sistema de doações e assinaturas de canais. Seus números são surpreendentes:

O crescimento anual da média de pessoas acessando a plataforma e assistindo conteúdos – Fonte: TwitchTracker

É claro que se compararmos com o horário de pico de TV, ainda falta muito para os games alcançarem o mesmo número de pessoas. Em 2020, a média de audiência da TV Globo no Brasil foi de 4.1M de pontos de TV, quase o dobro do que a média mundial da Twitch. Porém, a Twitch é uma das várias plataformas de streaming de jogos e conteúdos de entretenimento Gamer, nem tinha mencionado a NimoTV, Facebook Gaming, Youtube Gaming.

O crescimento anual da média de pessoas transmitindo seus conteúdos em canais na plataforma – Fonte: TwitchTracker

Também precisamos observar o número de transmissões que estão acontecendo, pois o crescimento tende a vir a partir da quantidade de oferta de conteúdo. É interessante observar que canais de TV tem burocracias e um custo muito elevado, ou seja, é cada vez mais provável que as pessoas migrem seus conteúdos para o digital. A descentralização de ganhos e as oportunidades para novos entrantes são maiores neste universo.

No Brasil, já temos grandes nomes no cenário do streaming, e sem dúvida, o fenômeno dos números é o Gaules –– um dos primeiros jogadores de Counter Strike do Brasil, que começou a transmitir partidas de campeonatos, fazendo a narração, comentando e interagindo com as pessoas. Em 2020, foi o segundo streamer mais assistido do mundo.

Com 24 mil horas de conteúdo transmitido, já atingiu 387 mil visualizações simultâneas, com um total de 2.5 milhões de seguidores e 254 milhões de visualizações ao longo de sua carreira . (Fonte: TwitchTracker)

Também não podemos esquecer de outras personalidades dentro dessa cena, como Alanzoka, Yoda e Nobru, Trascurerecer, Babi – uma geração de gamers tecnicamente boa, de comunicação e entretenimento. Assim como em todo mundo, a onda das transmissões ao vivo está aumentando e cada vez ganhando mais espaço, atraindo patrocinadores e marcas para oferecerem novas experiências para a comunidade Gamer.

Então, a cultura e hábitos de consumo digitais estão enraizados no ambiente dos jogos. E como sabemos, o digital tem uma tração muito maior, principalmente a nível de escala, custo, alcance e granularidade. 

Crossgeração

Segundo a BGS e o Instituto Datafolha, a idade média do público Gamer no Brasil é de 30 anos. Já a pesquisa do Sioux Group através da Go Gamers, ESPM e Blend New Research, aponta que 33,6% do total de gamers está na faixa etária de 25 a 34 anos, seguido pelos jovens que têm entre 16 e 24 anos, e que representam 32,5%. Aliás, podemos dividir em muitos perfis as pessoas que jogam atualmente; uma das pesquisas faz uma divisão macro de 2 perfis:

“A pesquisa indica que os gamers brasileiros se dividem em dois grupos: 67,5% que não se consideram gamers e 33,5% que se consideram. O primeiro foi caracterizado como o ´gamer casual´, uma maioria que possui o hábito de jogar, porém em menor tempo e frequência. O segundo grupo foi caracterizado como hardcore gamer’, que tem o jogo digital destacado em seus hábitos de consumo e dentro de suas preferências.”

“Ser um ‘hardcore gamer’ tem mais a ver com a importância dos games na vida do jogador, e não necessariamente está relacionado à quantidade de horas jogadas”, explica Guilherme Camargo, sócio-CEO do Sioux Group. “Um bom exemplo seriam as pessoas em idade adulta, que trabalham e têm menos tempo para jogar, mas nem por isso deixam de consumir games e se dedicar a esta atividade”, acrescenta.

De forma geral, estamos vivendo a primeira geração, que pais/mães e filhos(as) estão jogando games juntos(as). Isso é interessante porque percebemos que pessoas que não são “nativas digitais”, estão se adaptando em vários aspectos à lógica digital. 

Existe a geração de pais e mães que praticaram jogos eletrônicos nos anos 80, 90 e 2000. São pessoas que, em sua infância e adolescência, tinham hábitos de quem pratica games, e em alguns casos ainda praticam, criando mais esse canal natural de interação com seus filhos e filhas. Também há pessoas que começaram a jogar no boom do mobile e que têm interações com crianças e adolescentes por meio dos jogos. 

Fonte: IGNBrasil / PGB

Como podemos perceber, a interação entre pessoas de idades diferentes é cada vez mais comum no ambiente gamer. Isso é muito positivo, pois possibilita a convivência de pessoas com perspectivas diferentes de mundo e aumenta a ambientação de pais e mães nesse universo. É fundamental entender a mecânica, pois todo o contexto dos games também já tem impacto no mercado de trabalho, nas profissões e no universo dos negócios.

Dado que cada vez mais o público gamer serão pais/mães e responsáveis por crianças e adolescentes, como educadores e psicólogos, estamos vivendo uma era de digitalização de experiências, entretenimento e outras experiências, como jornadas de aprendizagem, convívio social e consumo de conteúdo em geral. É possível traçar uma hipótese de que o número de pessoas que jogam tende a aumentar.

Mercado Emergente

Por mais que seja uma indústria que existe há bastante tempo, cada vez mais enxergamos possibilidades de empreender ou utilizar o próprio mercado de Games a favor de outros negócios. Inicialmente, o mercado de internet também não era uma oportunidade percebida pelas pessoas. Apenas depois de um tempo, entendemos que era possível utilizá-la como ferramenta e plataforma para diversas atividades. Hoje, sabemos que a internet é indispensável para um negócio digital ou de tecnologia.

Com o passar do tempo, cada vez mais enxergamos o mercado da comunicação e posicionamento indo em direção aos Games. Recentemente, O Boticário se tornou a primeira marca brasileira de cosméticos a ter uma loja dentro de um jogo. É possível visitar a loja, interagir com assistentes virtuais e adquirir produtos.

Imagem: Ativação O Boticário dentro do game Avakin Life/Divulgação

O McDonald’s inaugurou duas novas unidades virtuais, uma no Minecraft e outra no The Sims 4, ambas com visual inspirado na loja da Av. Paulista, e funcionando em tempo real. Ao escanear o QR Code que está na loja, a pessoa que está jogando é redirecionada para o McDelivery.

Imagem: Restaurantes do McDonald’s no “Minecraft” e “The Sims 4”

Em 2019, o show do DJ Marshmello no Fornite foi épico. Assistido por 10 milhões de pessoas, teve um impacto imenso no mercado de entretenimento, mesmo que num contexto em que ainda não havia isolamento social. Esse é mais um indício de que esse mercado vem numa crescente de audiência e de pessoas consumindo novas experiências.

E por que não trocar as “monótonas” videoconferências pelo ambiente vibrante dos Games? Ano passado, um grupo de pessoas iniciou um processo de reuniões dentro do jogo Red Dead Redemption. É interessante observar esse movimento, porque ao mesmo tempo que ainda estamos em período de isolamento social por causa da pandemia da COVID-19, sentimos falta das vivências presenciais, e as reuniões online são consideradas enfadonhas e com interações pouco significativas. Pensando nisso, um professor da Universidade do Tennessee criou um curso sobre a história dos Estados Unidos, utilizando Red Dead Redemption. 

Há também plataformas para que profissionais de educação construam suas jornadas, trilhas e experiências de aprendizagem, utilizando jogos mais simples e acessíveis, como Minecraft Education e o Modo Criativo do Fortnite. Evidente que existe uma questão de entendimento dos jogos em si, da cultura dos Games e de como utilizá-los. Por isso, acreditamos que quanto antes começarmos a discutir e falar sobre essas possibilidades, mais perto estaremos de uma realidade que irá transformar os Games em Plataformas para diversas atividades.

Tudo o que estamos vivenciando com os games tem similaridades com o que presenciamos com a internet 15 anos atrás. Ainda existem incertezas em relação às direções que esse mercado vai seguir, quais modelos de negócio vão perdurar, quais novos vão surgir, e quais experiências interativas e cada vez mais profundas serão criadas. 

Também precisamos enfatizar que está longe de ser um universo perfeito. Assim como a internet, os games têm problemas antigos que continuam existindo, como bullying e agressões verbais, racismo, feminismo, homofobia, xenofobia, assédio e outros. Provavelmente, vão surgir novos problemas, devido ao comportamento, escala, velocidade e conectividade deste universo.

Portanto, precisamos falar sobre Jogos & Educação Digital, assumindo que, de várias maneiras, esse universo faz parte das nossas vidas pessoais e profissionais e precisamos observá-lo com mais atenção. Se não, corremos risco de precisar fazer um esforço muito grande para nos adaptar ao que está acontecendo, assim como aconteceu com a internet. Estamos em 2021, e continua custando muito caro para pessoas e empresas se adaptarem aos novos paradigmas digitais. É importante você compreender o que está acontecendo agora e tirar proveito de oportunidades reais. Isso é fundamental para construirmos futuros melhores tanto para a sociedade quanto para o seu próprio futuro.

O Futuro das Coisas e Twig|Games estão juntas nesse propósito: trazer informações valiosas sobre o mercado de Games, decodificando novos comportamentos e traduzindo em oportunidades de negócios. 

Esse foi o primeiro texto de uma série de conteúdos que vamos produzir em conjunto. Em breve, vamos lançar conteúdos e projetos sobre Games. Na semana que vem já tem um lançamento inédito. Se você tem interesse em receber nossas novidades, clique aqui.

Ilustração da capa: Tatooine girl

Santiago Andreuzza

Cofundador da Twig|Games – rede para potencializar gamers e plataforma que combate toxicidade e faz uma distribuição mais igualitária de recursos no universo dos jogos eletrônicos, através de monetização de dados. Também é responsável pela área de Aprendizagem & Novos Negócios no O Futuro das Coisas. Trabalhou na Dell e na HP, e foi um dos cofundadores da Bode – empresa consolidada de desenvolvimento de software. No caminho, empreendeu e cofundou a Aerolito.

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