Esta é a segunda parte da série sobre as mentalidades e estratégias de aprendizes autodirigidos altamente eficazes.

Para entender o que eu considero como aprendiz autodirigido e acessar os primeiros 9 comportamentos, veja a parte 1 clicando aqui e a parte 3 clicando aqui.

Obs.: a ordem em que os comportamentos são apresentados não tem nenhum sentido de classificação do tipo “melhor” e “pior” ou “mais importante” e “menos importante”.


10. Alimentar um commonplace book

Um commonplace book é um lugar (físico ou digital) onde são depositadas todas as reflexões, perguntas, ideias, citações e descobertas importantes de uma pessoa em seus percursos de aprendizado. Pode ser um aplicativo de gestão de conhecimento como o Notion (é o que eu utilizo) ou um caderno de anotações, por exemplo.

O principal problema que o commonplace book resolve é o fato de muitas pessoas registrarem seus aprendizados em muitos locais diferentes – no caderno, nas bordas das páginas dos livros, em documentos no Word ou no Google Drive, em grupos consigo mesmo no Whatsapp etc –, o que dificulta o acesso posterior a essas informações, bem como a sua organização e “digestão”.

Aprendizes autodirigidos altamente eficazes criam um commonplace book de maneira customizada às suas necessidades, adaptando-o continuamente conforme evoluem suas maneiras de aprender.

Eles entendem que é o cuidado no registro e na organização do conhecimento que possibilitará maximizar a sua absorção e utilidade mais tarde.


11. Portfólios > Certificados

Aprendizes autodirigidos altamente eficazes tendem não apenas a optar por caminhos de aprendizado não convencionais, como também por estratégias criativas de reconhecimento e construção de reputação em torno do que aprendem.

Portfólios, “transbordamentos” de conhecimento por meio do compartilhar, demonstrações práticas e evidências de projetos reais são algumas delas.

Seth Godin, um escritor best-seller nas áreas de marketing e habilidades comportamentais, afirma que:

“Quem contrata para as melhores vagas não quer saber se você foi à escola ou se você é obediente. Essas pessoas querem saber o que você fez e o que você é capaz de fazer, e o jeito de demonstrar isso não é por meio de um pedaço de papel com nomes pomposos de universidades, e sim mostrando a elas uma lista de projetos. Fazendo com que elas entendam o rastro que você deixou nos lugares que impactou e como você fez isso”.

Quem opta pela autodireção entende que os certificados pomposos já não valem tanto quanto antigamente. A demonstração concreta de conhecimentos e habilidades e o valor real que isso agregou – além de boas histórias para contar – é o que abrirá mais portas no presente e no futuro.

(Neste artigo mais introdutório e neste de cunho mais prático eu entro em mais detalhes sobre certificações sob a perspectiva do aprendizado autodirigido)


12. Não dependência de cursos e mestres | Capacidade de hackear a educação formal

Aprendizes autodirigidos, por definição, constroem seus próprios caminhos de aprendizado a partir de Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes.

Quando entendem que faz sentido, eles aprendem por meio de cursos, treinamentos, aulas e demais iniciativas de educação mais formais. Contudo, eles não dependem dessas experiências para se desenvolverem.

Além disso, eles compreendem que especialistas, mestres, professores, mentores e pessoas mais experientes de maneira geral não são indispensáveis ao processo.

Às vezes essas pessoas podem ser aliados importantes para o aprendizado, mas às vezes também podem acabar atrapalhando, na medida em que eventualmente tentam enquadrar e controlar o percurso de descoberta do aprendiz, anestesiando sua sensibilidade em aprender por conta própria.

Uma frase da filósofa e pesquisadora Carla Ferro é provocativa nesse sentido:

“O pior que pode acontecer a alguém que está confuso sobre alguma coisa é encontrar pelo caminho uma autoridade no assunto”.

Cursos e demais ações educacionais formais são vistas por aprendizes autodirigidos como mais uma das possibilidades de aprender, não a única. Usualmente, quando esse caminho é trilhado por um aprendiz autodirigido, é menos pelo conteúdo e mais pela curadoria, comunidade, feedback especializado, acesso a recursos e oportunidades de prática em um espaço seguro que um bom curso pode lhe fornecer.

No entanto, aprendizes autodirigidos sabem que um curso nunca será um substituto para o estudo independente, a reflexão crítica e, sobretudo, a ação no mundo real.

De certo modo, aprendizes autodirigidos altamente eficazes aprenderam a “decifrar o código” dos cursos, de maneira a hackear o processo – reduzindo seu investimento de tempo e dinheiro neles. No fundo, eles sabem que cursos nada mais são que CEP+Rs organizados previamente.


13. Mentalidade do “tudo é convite”

Aprendizes autodirigidos se incomodam com imposições e restrições à sua autonomia no aprendizado.

Por isso, é provável que não permaneçam muito tempo em ambientes compulsórios e/ou que funcionem majoritariamente com base em punições, recompensas, ameaças e outras tentativas de controle – a não ser que haja uma “causa maior” que justifique se manterem ali.

Dessa forma, aprendizes autodirigidos altamente eficazes entendem que “tudo é convite”, ou seja, eles não se curvam cegamente à vontade dos outros, a menos que exista um motivo plausível para se deixarem ser conduzidos temporariamente – neste caso, é o que chamo de heteronomia consciente.

Eles cultivam a liberdade de aceitar convites que tenham o propósito de aprofundar o seu aprendizado e também de fazer convites aos outros com essa mesma finalidade.

Essencialmente, aprendizes autodirigidos aplicam em suas vidas a Lei dos Dois Pés do Open Space:

“Se você sente que está em um lugar onde não está nem contribuindo, nem aprendendo, use seus dois pés e vá para outro lugar”.


14. Questionamento de regras e estruturas

Se sentirem necessidade, aprendizes autodirigidos questionam as pessoas, estruturas e o funcionamento dos cursos e demais processos estruturados de aprendizagem dos quais participam, além de serem propositivos nas soluções.

O que está por trás disso é que eles entendem que as regras, acordos e combinados existentes em qualquer espaço ou atividade não são arbitrários – eles foram criados por alguém. E, se foram criados, podem ser recriados.

O artista chinês Ai Weiwei tem uma frase interessante nesse sentido:

“A liberdade diz respeito ao nosso direito de questionar tudo”.

Para aprendizes autodirigidos, o respeito pela “figura de autoridade” é o mesmo respeito que se deve ter com todas as pessoas e em todas as situações – nem mais, nem menos.

Além disso, eles não têm medo de se perguntar se faz sentido permanecer em um curso, uma vez que entendem que essa é apenas uma das formas de aprender. E, caso cheguem à conclusão de que não estão tirando proveito e/ou que sua voz não está sendo ouvida, eles não ficam perdendo tempo ali.


15. Aprendizado a partir da curiosidade

Aprendizes autodirigidos altamente eficazes entendem que o seu potencial máximo reside na exploração de seus interesses e curiosidades mais profundas.

Diferentes pensadores se referiram a essa “área de potencial máximo” de maneiras distintas. Mihaly Csikszentmihalyi a chamou de estado de fluxo, Yaacov Hecht a denominou área de crescimento, Roberto Freire falava do tesão e Rubem Alves da “coceira” nas ideias.

O envolvimento do aprendiz autodirigido com seus objetos de investigação tende a ser intenso. A motivação para aprender transcende razões externas e geralmente assume um caráter intrínseco, isto é, as ações de aprendizado justificam-se “de dentro para fora” – seja pelo seu significado pessoal, pelo simples prazer da descoberta e/ou pelo propósito a elas associado.

O papel da curiosidade é fundamental, de modo que, para aprendizes autodirigidos altamente eficazes, ela deixa de ser uma fagulha pontual e se transforma em dos principais combustíveis do aprendizado e da vida.

Dialogando com os conceitos mencionados acima, gosto de pensar que aprendizes autodirigidos aprendem a partir do seu Horizonte.


16. Aprendizagem como criação, e não reprodução

Yaacov Hecht criou a metáfora da corda bamba e do abismo para falar sobre a nossa crise de autenticidade. Segundo ele, a maioria das pessoas no mundo ocidental está tão preocupada em “fazer o certo” para “ter sucesso” que é incapaz de testar novos caminhos.

“Começamos a andar na corda bamba desde o dia em que nascemos, e alguns dizem que ainda antes disso. A corda tem muitos pontos diferentes ao longo do caminho, por exemplo: aprender a ler e escrever na primeira série, as provas para entrar na faculdade aos 16–18, a universidade aos 20, o casamento, ter filhos, a alimentação, a saúde, o sucesso profissional, a família, a nação, e assim por diante”.

Caso alguém dê um passo em falso na corda bamba, tudo estará perdido – o abismo estará lhe esperando. E é muito difícil caminhar pela corda, pois ela está abarrotada de gente. A competição é grande.

Aprendizes autodirigidos visualizam o processo de aprender como uma reconstrução desse cenário desolador, na medida em que o aprendizado significa, aos olhos deles, um meio para se tornarem cada vez mais únicos e autênticos – uma forma de dissolver o abismo e habilitar a caminhada para qualquer direção que lhes pareça interessante.

É por isso que aprender, para aprendizes autodirigidos, é sempre um ato de criação do novo, e não de reprodução daquilo que já existe. Mesmo que aprendam sobre algo já existente, a alquimia da autodireção os permite imprimir a sua marca inconfundível em suas aprendizagens.


17. Recusa à idolatria | Crença na igualdade de inteligências

Aprendizes autodirigidos experientes se negam a colocar os outros num pedestal. Embora possam admirar e se inspirar em muitas pessoas, buscando com frequência se aproximar delas para aprender, a relação não tende a ser desigual ou hierárquica.

Isso é importante porque, quando ocorre o contrário – isto é, ao idolatrar alguém –, é fácil cair no lugar de “essa pessoa sabe e eu não”.

Essa postura pode ter duas consequências:

1. O aprendiz começa a depender do seu mestre ou “ídolo” para aprender, de modo a diminuir sua capacidade de “caminhar pelas próprias pernas”;

2. O aprendiz começa a assumir tudo que o mestre fala e faz como verdade (ou ao menos como algo melhor do o que ele poderia falar e fazer), o que é um prato cheio para gurus, seitas e abusos de toda ordem.

Além disso, aprendizes autodirigidos altamente eficazes acreditam no princípio da igualdade de inteligências, proposto pelo antipedagogo francês Joseph Jacotot no século XIX.

Segundo esse princípio, há em todas as pessoas a capacidade de “ler” a realidade sem a necessidade de que alguém a explique, bastando para isso que se emancipem intelectualmente – o que pode ser considerado um sinônimo de se tornar um aprendiz autodirigido.

Por isso, aprendizes autodirigidos também evitam se posicionar como mestres ou ídolos de quem quer que seja. Aos olhos deles, estamos todos aprendendo juntos.

Na semana que vem, será publicada a parte final do artigo com os seguintes comportamentos:

– Fascinação por aprender

– Pausas, lazer e atividades manuais e físicas

– Aprendizado social (P e R do CEP+R) é fundamental

– Aprendizado pela vivência (E do CEP+R) é fundamental

– Aprendizado como aventura ou investigação

– Ressignificação do erro ao aprender | Aprendizado como brincadeira

– Hábito de “estranhar” a realidade | Abertura e habilidade em fazer perguntas

– Atitude altruísta | Devolver ao mundo o que aprendeu

E para você, quais mentalidades e estratégias são importantes ao aprender de maneira autodirigida? Compartilhe nos comentários!

Ilustração da capa: ANDREA CHRONOPOULOS

Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e especialista em aprendizado autodirigido e lifelong learning. É o idealizador do MoL, uma comunidade de aprendizagem autodirigida, e coautor do livro Core Skills: 10 habilidades essenciais para um mundo em transformação. Colabora com as empresas na redefinição da sua cultura de aprendizagem e com os indivíduos na sua capacidade de aprender a aprender. Saiba mais em www.alexbretas.com

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