É possível imaginar o mundo absolutamente livre de pobreza?

A questão é complexa e muitos são os fatores que influenciam o grau de pobreza de um país, sendo difícil apontar uma única causa para o problema. É comum quando lemos artigos sobre esse assunto, sentir que a pobreza seja um problema sem solução ou que seja difícil gerar ferramentas para diminuí-la.

Tendo em vista a essência do que é pobreza – segundo o dicionário Aurélio, pobre significa “Que ou quem não tem ou tem pouco do que é considerado necessário, vital; Que ou quem tem poucos bens ou pouco dinheiro” – uma solução simples para o problema seria distribuir dinheiro.

Em poucas palavras é essa a ideia da Renda Básica Universal (RBU), um sistema semelhante ao da assistência social: todos os cidadãos de um país, estando eles empregados ou não, receberiam, do governo, uma quantia fixa mensal. A diferença é que a RBU seria um substituto único para todos os subsídios de assistência social e esse salário seria provido de forma incondicional, sem nenhuma obrigação por parte do cidadão. O objetivo é permitir que todas as pessoas tenham melhor qualidade de vida e, assim, melhores oportunidades. É uma forma de combater a desigualdade de renda e assegurar que cada cidadão tenha dinheiro suficiente para viver acima da linha da pobreza.

A ideia é comum para o socialismo, que poderia pagar pela renda básica com o lucro de organizações de poder público. No entanto, ela também é possível em sociedades capitalistas, paga por meio do recolhimento de impostos ou em forma de isenção fiscal.

O fato é que não há um consenso sobre a maneira correta de implementar um programa de renda básica universal. Grandes figuras, que apesar de não terem muitas coisas em comum, estão no mesmo grupo, apoiando a ideia da RBU seriam: Napoleão, Martin Luther King em seu último livro; Milton Friedman, economista liberal que desenhou uma estratégia específica para a ideia; Charles Murray, um grande defensor do conceito.

A RBU pode parecer algo impossível, mas vem ganhando visibilidade e já foi proposta no passado. Ainda na década de 1970, nos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon, inspirado por Milton Friedman, tentou passar um plano de renda mínima garantida. Não conseguiu, mas chegou bem perto. Jimmy Carter tentou novamente em 1977. O ponto é que já nessa época a RBU era uma ideia convencional. Não era uma ideia improvável, como às vezes é vista a RBU hoje em dia.

Experimentos mundo afora

Alguns experimentos estão em curso atualmente. No Quênia, em abril de 2014, uma organização sem fins lucrativos, chamada GivenDirectly, iniciou seu projeto de RBU. Um programa de US$30 milhões que distribuirá benefícios mensais para 6 mil pessoas durante 10 a 15 anos.

Na Finlândia, o experimento selecionou 3.000 cidadãos que já recebiam seguro desemprego para substitui-lo por uma renda básica de 550 euros por mês. O projeto tem duração de 2 anos (2017-2018) e pretende observar se a RBU pode de fato ajudar a diminuir a pobreza, a exclusão social e a burocracia. Outros países como Holanda e Índia também desenvolvem programas do tipo.

O principal argumento contra o conceito é o de que as pessoas deixariam de trabalhar com esse “dinheiro grátis” e que ele poderia ser gasto com bebida e drogas por exemplo. Em 2013 o Banco Mundial fez uma pesquisa e mostrou que essa ideia não procederia: a imagem da pessoa pobre preguiçosa e bêbada seria um estereótipo, não realidade.

Um experimento intitulado “Mincome”, realizado no Canadá, em 1970, buscou observar a relação entre uma renda anual garantida e a motivação para trabalhar. Os resultados demonstraram um impacto pequeno no mercado de trabalho: as pessoas não pararam de trabalhar, apenas diminuíram um pouco as horas trabalhadas. Menos de 5% em média. Apenas mães e adolescentes diminuíram substancialmente suas horas de trabalho. As mães pararam de trabalhar para passar mais tempo com seus bebês, os adolescentes pararam pois não tinham mais a pressão para contribuir com o sustento da família e isso resultou em mais adolescentes se graduando. Além disso, aqueles que continuaram trabalhando tinham liberdade para decidir que trabalho gostariam de ter.

Isso é algo transformador: a Renda Básica Universal pode dar liberdade de escolha. Acredito que seja um pensamento estreito o de que o trabalho é apenas uma tarefa. O trabalho nos dá algo para fazer. Ele nos desafia, nos motiva a melhorar, nos obriga a interagir com pessoas. O trabalho também pode nos dar amigos, amores. Nós trabalhamos por status social, dinheiro e pelo nosso lugar no mundo. Nós queremos fazer algo das nossas vidas e para muitas pessoas trabalho lhes dá significado.

Mas, o principal argumento em favor da RBU é o de que ela reduziria a pobreza e a desigualdade de renda. Se feita por meio de pagamentos digitais ela também pode contribuir para a inclusão financeira. Trazendo mais pessoas para o sistema financeiro a RBU pode ser uma ferramenta poderosa para desenvolver a capacidade financeira das pessoas, o acesso a produtos de investimento, a crédito, entre outros benefícios para cidadãos e governos.

Vejamos o exemplo da Mongólia. Um país em desenvolvimento que tinha, em 2014, 89% de sua população adulta mais pobre possuindo uma conta em banco. Ao observar o mesmo número do Brasil, vemos que apenas 58% da população na base da pirâmide tem uma conta bancária. A diferença pode se dar pelo fato de que na Mongólia o governo tem um programa de distribuição da receita do setor de mineração, com o objetivo de redistribuir a riqueza. Há ainda nesse país um programa de distribuição de renda para crianças, lançado em 2012. Como parte dessa política, o governo faz depósitos eletrônicos de US$10 todo mês em contas abertas para crianças de 0 a 17 anos, garantindo que os pais de cada novo recém-nascido, crie uma conta bancária no nome do seu filho.

O futuro do trabalho

O conceito da RBU não é novo, mas ganhou relevância nos últimos anos devido aos avanços tecnológicos mais recentes. Em especial por conta do desenvolvimento de robôs e da inteligência artificial (IA). Combinadas, essas tecnologias podem resultar no aumento do desemprego. Um estudo de Oxford, de 2013, chegou à estimativa de que, nos próximos 20 anos, 47% dos empregos deixarão de existir nos EUA devido à automação. Se isso acontecer de fato, como faremos para ganhar dinheiro?

O fenômeno “desemprego tecnológico” pode influenciar a perda de empregos na maioria das carreiras: da indústria à agricultura, de médicos à advogados. A interpretação a respeito de suas consequências varia entre os especialistas. Há quem diga que os empregos de hoje não vão mais existir, mas outros serão criados em paralelo à popularização das novas tecnologias. Outros defendem que os impactos serão profundos e que a sociedade vai se adaptar. O custo de vida baixaria consideravelmente num primeiro momento, dando espaço para o desdobramento de políticas de renda básica universal.

Todo tipo de tecnologia tem o potencial para baratear o custo de produtos ou serviços, essenciais para nossa sobrevivência. A prensa de Gutemberg democratizou o acesso a livros, ao conhecimento. O motor a vapor encurtou distâncias, o avião mais um pouco e a internet mais ainda. Qual o potencial de transformação das novas tecnologias que estamos vendo nascer?

Considere a fotografia, por exemplo. Antigamente isso era algo caro, você tinha de pagar pela câmera, pelo filme e pela revelação das fotos. Hoje a câmera já vem embutida no celular, sem gasto com filme ou revelação. O mesmo é válido para a câmera de vídeo, o toca-discos, o vídeo game, o relógio, a enciclopédia, a calculadora, dentre tantas outras ferramentas que um smartphone nos proporciona hoje. Ligações deram lugar a chamadas de Skype grátis. A empresa Uber ajudou a baratear o custo do transporte privado, o Airbnb diminui o preço que pagávamos em hotéis, a Amazon trouxe para baixo o gasto com livros.

A velocidade de evolução tecnológica nunca foi tão rápida. É razoável dizer que, enquanto as novas tecnologias eliminam empregos tradicionais e uma nova e massiva riqueza é gerada a partir disso, nós veremos o desenvolvimento de diferentes versões de RBU em larga escala.

Embora as consequências da RBU sejam majoritariamente positivas, seu desenrolar é complexo. Como por exemplo a origem do dinheiro extra. Ele viria após uma reforma em nosso sistema fiscal, criando a cobrança de impostos sobre grandes fortunas? Ou poderia vir com a diminuição do orçamento do Ministério da Defesa?

São inúmeras as perguntas que surgem nessa discussão:

Programas de RBU poderiam trazer problemas que não conseguimos antecipar ou gerar mais conflitos que soluções?

O governo teria a agilidade para reagir frente ao ritmo das mudanças tecnológicas?

Seria a RBU a solução para o desemprego tecnológico?

Ou teríamos que enfrentar a turbulência de uma redistribuição de empregos em meio a robôs e inteligência artificial?

Pelo menos podemos dizer que, com a diminuição do custo de vida proporcionada pelo avanço tecnológico, a RBU se tornaria uma ferramenta possível para a auto realização dos cidadãos em larga escala: muitos poderiam seguir suas paixões, teriam mais liberdade para desenvolver sua criatividade e poderiam dedicar mais tempo com o que determinarem prioritário, concretizando sonhos. Quando isso acontecer estaremos um passo mais perto de uma sociedade mais abundante.

Crédito da imagem da capa: Vox/Javier Zarracina

Lemuel Simis

Lemuel é co-fundador e diretor de comunicação da Firgun, uma plataforma de empréstimos coletivos voltada para empreendedores de baixa renda. Lemuel atua há mais de 10 anos com impacto social, é graduado em Relações Públicas e pós-graduado em Gestão de Projetos Sociais.

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