Millennials, geração X, desmaterialização do varejo e do trabalho, lowsumerism, consciência ecológica, novas matrizes de mobilidade: o mundo anda em constante mutação, acelerado, dinâmico e por vezes errático.

Diante dessa perspectiva, as previsões de futuro são, na mesma medida, incertas e necessárias.

Nunca foi tão fundamental olhar para frente, em uma busca desesperada por antecipar o que logo se tornará obsoleto, numa espécie de “auto-hacking” para tornarmos obsoletos a nós mesmos, e, com isso, acharmos soluções antes que seja tarde demais.

Esse movimento acelerado faz com que soluções antes inovadoras se tornem anacrônicas numa velocidade assustadora. O que era disrupção ontem, hoje é mainstream e, o que é mainstream hoje, amanhã fará parte da memória, algo tão anacrônico quanto os tênis quadriculados, walkmans ou aparelhos de fax.

Estamos trocando produtos por experiências, e isso não chega a ser nenhuma novidade, como explica a jornalista Hiroko Tabuchi:

Os analistas dizem que uma mudança mais ampla está em andamento na mente do consumidor americano, estimulada pela popularidade de um conjunto crescente de estudos científicos que parecem mostrar que experiências, não objetos, trazem a maior felicidade. A Internet está cheia de histórias do tipo “Compre experiências e não coisas” que poderiam dar pesadelos aos executivos do varejo. Millennials – aqueles jovens de 20 e 30 que os vendedores desejam – preferem gastar seu dinheiro em férias fora da cidade, em refeições com amigos, em academias de ginástica e, claro, com seus smartphones, segundo sugerem muitas pesquisas.”

É no comportamento, não só de consumo, que basearemos a discussão desse texto, tendo como objeto principal a relação das pessoas com os shopping centers, chamados de “templos do consumo” ( CERVEIRA FILHO,1999 ) e provavelmente o símbolo máximo de um momento de consumo exacerbado, um modelo que agora precisa ser, ele próprio, hackeado, e quando penso em hacking, não consigo deixar de lado o amigo Carlos Piazza, o atormentador-mor do mainstream:

O cenário de transformações é acelerado, desmassificado e desmaterializado. Não obstante tudo isto, o cenário se mostra também muito acelerado no processo de desintermediação, que no caso do varejo é algo com o qual se deve aprender muito e rápido. Aliado a isto devemos assumir que o processo de aceleração também faz com que produtos e serviços fiquem muito menos importantes do que as experiências de consumidores na visão integral do processo de consumo, antes, durante e depois…

Mas se as coisas tendem a se desmaterializar, o que fazer com os gigantes shopping centers?

Antes de responder isso é preciso entender o cenário no momento da  invenção dos shoppings, aliás, essa própria invenção é controversa. Para muitos, o “shopping center” nasceu em Paris, por volta de 1852, com o “Bom Marché”, mas só a partir dos anos 50 se popularizou nos Estados Unidos, com a inauguração do Country Club Plaza, em Kansas City.

Já para os mais radicais, o shopping não é uma invenção nada nova e tem sua origem nos bazares persas, como o de Isfahan, que data do século X,  no Oxford Covered Market, de 1774, na Inglaterra e no Galleria Vittorio Emanuelle II, de 1828, na Itália.

No Brasil, o primeiro shopping inaugurado foi o Iguatemi, em 1966 em São Paulo.

A partir da década de 50 do século passado, os centros de compras se formaram em muitos países, proporcionando um notável desenvolvimento econômico, social e cultural. DINAH (2001) relata que, os fatores preponderantes à época que levaram ao surgimento do shopping center foram: o aumento do poder aquisitivo da população; a descentralização da população para zonas periféricas, bem como a grande expansão automobilística norte-americana, a qual fez sentir a necessidade de os centros comerciais disponibilizarem um grande espaço de estacionamento para automóveis.” – MARTINAZZO, Silvana.

O surgimento dos shoppings nos Estados Unidos está diretamente ligado à questão urbana, que por sua vez está interligada à expansão do carro como o principal modal de mobilidade. Ou seja, podemos dizer que, o posicionamento original do shopping center é semelhante ao posicionamento do subúrbio: facilidade, comodidade e segurança de um ambiente controlado e, em última instância, um percurso social “próximo aos meus pares”.

Nesse sentido, tanto o shopping quanto o subúrbio são estandarizantes, diminuindo a relação com o diferente, abafando a pluralidade, que, nesse momento, confunde-se com insegurança.

Toda grande cidade tinha um centro comercial com lojas de departamentos, lojas de especialidades, bancos e cinemas. Contudo, quando as pessoas começaram a se mover para as periferias das cidades, esses centros comerciais, com seus problemas de fluxo de automóveis, estacionamento e crimes, começaram a perder negócios. Os negociantes situados nos centros das cidades começaram a abrir filiais em shopping centers regionais, e o declínio dos centros comerciais continuou.” – KOTLER & ARMSTRONG (1994) apud MARTINAZZO, Silvana.

Shopping centers e a retomada das cidades

Talvez estejamos chegando próximos ao movimento oposto que gerou a popularização do modelo de shopping center. Num cenário onde a vida se concentra cada vez mais nos centros urbanos, e mais do que isso, nas centralidades dos centros urbanos, os problemas causados pelo modelo vigente da “era de ouro” dos shoppings, como trânsito, demora nos deslocamentos e consequente menos tempo para família e lazer, tornaram-se inviáveis.

Hoje, os shoppings representam bolhas espalhadas pelas cidades, característica igualmente preocupante para outros segmentos como os condomínios fechados residenciais e comerciais. O modelo de deslocamento “entre-bolhas” e “inter-bolhas” dá sinais de exaustão. Mover-se do seu condomínio-clube, para seu escritório-shopping, no seu automóvel particular e individual com ambiente e temperatura controlados já não parece ser o sonho de consumo das novas gerações.

Na realidade, as novas gerações aparentemente  não só não querem possuir seus próprios carros, como estão repensando o próprio conceito de consumo de bens materiais.

Como diz James Gamblin, colunista da revista Atlantis, “O que acontece é que as coisas que nós possuímos, especialmente se forem caras, nos obrigam a nos preocupar com elas”. O mercado imobiliário, aos poucos começa a entender esse processo, depois do sucesso do Airbnb; a indústria automobilística sofre com o car-sharing e com os modais alternativos como a bicicleta, que a obriga a pensar em novos modelos de negócio. Mas, e os shoppings? Existe saída?

Muito além do estacionamento grátis

Se pensarmos nos shoppings como amontoados de lojas, com fast-foods e cinemas, provavelmente eles estarão sujeitos ao esquecimento, como uma relíquia de um passado não muito distante.

Uma das características de um shopping, qualquer um, ou pelo menos, a maioria, é que são tratados, como não-lugares.

O termo não-lugar, cunhado por Marc Augé ( 2012) é usado para nos referirmos a lugares transitórios que não possuem significado suficiente para serem definidos como “um lugar”. Os exemplos clássicos são quartos de hotel, aeroportos, rodoviárias, supermercados, etc.

Se o consumo tende a se desmaterializar, se a necessidade de intermediários deixará de existir, e os shoppings ainda são tratados sob o aspecto da materialidade, da transitoriedade ou, pior ainda, da generalidade, é preciso repensar urgentemente o modelo vigente.

O que fazer diante de uma perspectiva de falência de 15% dos shoppings nos Estados Unidos nos próximos 10 anos (Green Street Advisors), ou ainda, com a ociosidade de 35% das lojas dos shoppings no mesmo país, percursor do modelo atual de centros de compras e entretenimento?

O portal NoVarejo aponta 3 tendências para o futuro dos shoppings, sendo elas:

1- Geofencing: um aplicativo rastreia o consumidor colhendo informações para comparar o comportamento e adaptar o mix de lojas para a suas necessidades;

2- Food is the new fashion: as praças de alimentação podem promover uma experiência melhor, se transformadas em “food halls”;

3- Buy online and pick up in store: o consumidor compraria em casa e pegaria seu produto na loja.

Certamente, todas essas hipóteses podem ser caminhos para uma sobrevida do shopping center, mas todas elas ainda o tratam como não-lugar, ou pior, como “bolha”.

Com a busca pela identificação, por parte de marcas e audiências, mais importante do que entender o percurso do consumidor no shopping, seria entender quem é aquele consumidor e as suas características identitárias, aliás, se os shoppings continuarem tratando suas audiências como consumidores, eles já terão um problema por si só.

Os shoppings precisam mudar o papel que desempenham na vida das pessoas. Quando elas visitam esses “ainda não-lugares”, estão procurando experiências que vão muito além das compras. Será que as pessoas que frequentam shoppings devem continuar sendo vistas como “consumidoras”?

Mudar de “praça de alimentação” para “food hall” fará pouca diferença se nesse novo espaço (e não lugar, prestem atenção) o que for oferecido não fizer sentido dentro de um contexto específico, cultural, principalmente. É muito mais uma questão de paradigma do que de forma.

Quanto a pegar os produtos na loja, provavelmente prejudicará os empreendimentos maiores, mais afastados dos centros, pois já imaginou ter que pegar o carro, dirigir uma distância razoável, pagar estacionamento, só para pegar um produto que poderia ter sido entregue em casa?

Todas as soluções imaginadas pelo segmento sofrem do mesmo mal, não enxergam além do segmento!

Siga os sinais ou a brigada de incêndio devidamente identificada

Uma das possibilidades é uma mudança paradigmática em relação ao modelo atual de shopping center. É preciso conectá-lo com a cidade, com as pessoas, com as marcas e não fechá-los em bolhas. É preciso transformá-los em LUGARES!

Torná-los lugares significa carregá-los de significado, significado encontrado nos lugares, ou melhor, nas pessoas que fazem os lugares. Nada adiantará mudar a área de alimentação de nome, se nessa área, a oferta for a mesma de qualquer outro shopping de qualquer outro lugar. Um lugar é resultado de uma (no mínimo) singularidade, uma característica distintiva e indissociável daquela cultura local.

Antes de tudo é preciso compreender as pessoas que usam e formam aquele lugar (o lugar onde o empreendimento está). Entender como elas se relacionam e como querem se relacionar com a cidade, como é possível criar essa conexão, como integrar shopping, pessoas e cidade.

Dessa forma, o empreendimento passa a fazer parte de um ecossistema maior, chamado cidade, com uma relevância e função específicas nesse tecido urbano, ou seja, um equipamento urbano permeável, convidativo, ancorado nas características identitárias regionais e ao mesmo tempo atento ao que acontece ao redor.

No final do século XX foi a vez dos museus se reinventarem, chega a vez do outrora todo-poderoso shopping center.

Bibliografia:
AUGÉ, marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 9 ed. Campinas, SP: Papirus, 2012
CERVEIRA FILHO, Mario. Shoppings centers. Direitos dos lojistas. São Paulo: Saraiva, 1999.

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Caio Esteves

Caio Esteves é Global managing partner of placemaking na Bloom Consulting. Fundou em 2015 a Place For Us, a primeira consultoria especializada em Place Branding do Brasil que, em 2020, se juntou a Bloom Consulting. É também autor do livro Place Branding e co-autor da versão brasileira do livro Imaginative Communities.

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