Em algum momento da sua vida, você já teve a sensação de dar voltas e não sair do lugar quando a intenção era justamente ir para frente?

De fazer movimentos que deveriam levar em direção ao futuro, mas que a repetição sistemática de passos e atitudes só trouxeram resultados do passado? Aqueles dos quais você queria tomar distância…

E que muitas vezes nem temos consciência de reproduzirmos sistematicamente atitudes que condenamos ardentemente em discurso porque refletimos no momento do discurso e não no da ação? Ou não percebemos que agimos de maneira oposta ao nosso discurso.

Aquela máxima de querer resultados diferentes usando os mesmos processos acaba se tornando uma realidade quando não há reflexão sobre o que, por que e para que estamos fazendo.

Nossas ações automáticas poderiam dar uma chance a novas atitudes, alinhadas e coerentes com o que queremos construir no presente e abrindo caminho para onde queremos estar no futuro, se entendêssemos melhor o que e o quanto daquela atitude é nossa ou de outro.

Mesmo que este outro seja o nosso “eu” de outro tempo, que ficou lá atrás e a quem podemos agradecer e honrar por ajudar a construir o “eu” que chegou até aqui, no presente, com tudo o que envolve “sua” vivência: lugares onde morou e visitou, pessoas que conheceu, experiências vividas, conhecimento acumulado, trocado, construído etc.

Pensando bem, é natural chegar o momento em que uma pessoa reconhece que suas atitudes do passado – embora tenham valor imenso por gerarem aquela pessoa do jeitinho que existe no momento presente – precisam ser valorizadas lá no passado e deixadas por lá também para abrir espaço a novas atitudes condizentes com esta pessoa do presente, com o que ela acredita e com o impacto que ela quer gerar no mundo. Além do discurso.

E qual o lugar da educação neste raciocínio?

Bem, esta reflexão teve início com a leitura de outra reflexão sobre precisarmos virar a página do que seria “ponto pacífico” nas discussões sobre “inovações em educação”.

Uma abordagem a qual particularmente discordo de saída – dado que boa parte do que é declarado como “inovador” e até “disruptivo” neste campo de conhecimento e atuação já existe (muitas “inovações” se apoiam em teorias com mais de cem anos de idade!) – é tratado nos cursos de pedagogia, e é adotado – numa escala bem pequenininha, é fato! – há pelo menos 50 anos para a “inovação” mais jovenzinha…

É uma questão pessoal e também ponto para uma reflexão bem profunda este “esquecimento”, por parte dos que buscam reconhecimento como inovadores per se ao invés de solucionar um problema,  sem dar crédito a quem veio antes e cujo trabalho fundou as bases das metodologias “inovadoras”.

Mexeu com minhas entranhas o fato destes “pontos pacíficos” ainda serem a exceção da exceção quando saímos do campo do discurso e tratamos de como toma corpo a educação encarada como direito universal, do cotidiano que envolve o processo de aprendizagem.

Se organização do mobiliário na sala de aula, promoção da igualdade, participação dos educandos, nivelamento da importância das disciplinas ou transdisciplinaridade, por exemplo, são temas ultrapassados para 2018, por que então não fazem parte da prática cotidiana, dos comportamentos automáticos que saíram da esfera do discurso e se transformaram em ação?

Não seria necessário encarar profundamente cada questão encarada como ultrapassada? Perceber o motivo que a levou a fazer parte do processo de aprendizagem, entender que a prática já fez sentido a seu tempo e, por este motivo, tem um valor? No passado. E deve ser honrada como parte do caminho percorrido para chegarmos aos processos educacionais vigentes em 2018. E sua valorização passa pela substituição por outra prática que reflita o que é educar na contemporaneidade.

Como uma constelação.

Não aquela de estrelas. Mas, a sistêmica ou familiar. Técnica elaborada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger a partir de observações empíricas de padrões comportamentais que se repetem, inconscientemente, em grupos familiares através das gerações.

Costumo dizer que é terapia concentrada pela potência da dramatização das relações familiares em mostrar com clareza que desejo ou comportamento é responsabilidade de cada elemento e foi a analogia que me veio à mente quando li aquela matéria citada acima que despertou esta reflexão: é preciso constelar a educação.

Várias vezes. Porque cada constelação aborda uma questão (e por isto o “concentrada”). E a educação nos apresenta várias questões manifestas ainda muito no discurso. E, para sua transformação em práticas alinhadas às necessidades presentes e futuras, tais questões precisam ser encaradas de frente, entendidas como representantes do tempo em que foram concebidas. Tais questões devem ser valorizadas pelos resultados que trouxeram à sua época e como pontos na trajetória que permitiu a evolução do processo de aprendizagem até aqui, abrindo portas para todas as “inovações”, em curso e futuras.

Vamos tentar estruturar uma sessão de constelação?

Antes de tudo: como se estrutura a “família” da educação contemporânea?

Faz parte da dinâmica da constelação sistêmica, observar padrões repetidos na nossa vida que não são conscientes nossos, mas vêm de nossos antepassados. Então, vamos focar no núcleo familiar:

Quem é e qual é o papel do pai? E da mãe? Ela tem irmãs ou irmãos? São todos vivos ou algum membro deste núcleo familiar mais próximo foi excluído (a exemplo de um método que nasceu e não sobreviveu na escola)? Todos os membros são reconhecidos? Há algum método ou processo de aprendizagem relevante desconsiderado?

Depositando foco nos “pais” (ou em práticas imediatamente antecessoras ao que se aplica como educação em grande escala atualmente) e convidando-os a participar da sessão representados por peças, como elas são? Peças minúsculas, pequenas, médias ou grandes? Onde está cada um?

Se fossemos organizar todos – pais e constelado – de acordo com a proximidade e o tipo de relação, ou melhor, com a maneira que a educação contemporânea sente e enxerga sua relação com seus antecessores, como essa educação se colocaria ante eles? Próxima ou afastada? A proximidade é maior com um de seus antecessores ou esta relação é equilibrada? De frente ou de costas?

E os representantes possivelmente excluídos ou não reconhecidos? As pedagogias desconsideradas no trabalho em grandes redes, aquelas abandonadas. Que membro ali representado pode ou deve encará-lo(s) e esclarecer que sim, faz parte daquela família, não está mais presente e mesmo assim é reconhecido como parte pertencente àquele sistema familiar?

Agora a questão a ser trabalhada.

Vamos começar por uma “simplesinha”: Que tal a disposição do mobiliário na sala de aula?

Como esta questão se relaciona com a educação contemporânea? Está próxima? Afastada? Está em seu campo de visão e reconhecimento ou a nossa constelada dá as costas e tem dificuldade de enxergar esta questão agora?

Que princípio norteava esta disposição em fileiras todas voltadas para um lado da sala onde há um quadro, com uma pessoa centralizando as atenções?

Este princípio conversa com as abordagens educacionais do presente ou concretiza uma projeção de algum dos seus antecessores? Entenda como antecessores todos os processos e mecanismos de aprendizagem adotados desde a concepção da sala de aula como único espaço de aprendizagem.

Essa disposição da sala é uma questão a ser superada para que a educação contemporânea tome as rédeas da sua trajetória e participe, neste momento, da formação de sujeitos preparados para o presente?

Ou não?

Ou todos os comportamentos e métodos adotados e replicados a partir da organização da sala de aula em fileiras são exatamente os desejáveis para melhor preparar os cidadãos e seres humanos do presente e do futuro?

É preciso entender se o caminho que a educação contemporânea vislumbra mantendo a configuração da sala de aula, abre possibilidades também de explorar como será a educação do futuro. Se oferece alternativas ou hipóteses para desempenhar adequadamente seu papel na formação dos seres humanos no futuro.

Assim como foi preciso refletir sobre a maneira mais adequada para preparar os indivíduos que operariam as máquinas no chão de fábricas das indústrias lá no século XVIII, será que não cabe trazer para todos os processos de aprendizagem esta reflexão sobre a melhor maneira de preparar indivíduos para atuar num mundo cujo presente requer adaptação rápida a mudanças? E cuja perspectiva de futuro se desenha num grau de flexibilidade e mutabilidade, exigindo grande capacidade de autonomia, articulação, colaboração e protagonismo, por exemplo, pois a lista de habilidades para lidar com um mundo de incertezas é extensa e, aparentemente, não combina com as habilidades desejáveis para lidar estritamente com um trabalho mecânico e repetitivo.

Especialmente porque educar na contemporaneidade já não se trata apenas de formar talentos para atuar profissionalmente numa grande empresa. Trata-se, antes de tudo, de colaborar na formação de indivíduos conscientes de si, do mundo e do outro, que colaborem na (re)construção de sociedades mais justas, igualitárias, resilientes, acolhedoras, inteligentes, criativas – e pode-se inserir aqui mais uma gama de adjetivos.

Será que a consciência do outro e do mundo e das questões que perpassam estes universos estranhos à individualidade, assim como o enfrentamento destas questões, podem ser treinados durante a aprendizagem formal quando se tem apenas um olhar sobre cada tema apresentado? Quando não há interação?

Educação contemporânea, você e seus atores conseguem perceber, posto este cenário, que o valor da organização da sala de aula em fileiras com todos olhando para um mesmo lado foi interessante no primeiro momento em que houve necessidade de formação em massa?

E que, com a experiência acumulada no tempo e com novas necessidades impostas pelas transformações da sociedade, é possível desenhar múltiplas maneiras de organizar os espaços de aprendizagem para que estes também sejam facilitadores de construção de conhecimento e colaborem mais efetivamente com você?

Você, educação contemporânea, conseguiria embrulhar para presente esta única solução e entregá-la aos seus antecessores, agradecendo-lhes por terem encontrado uma maneira de trabalhar a educação em massa?

Sente que é difícil entregar este presente a quem ele pertence? Ou se sente mais leve por poder seguir em frente com a sua trajetória e formatar soluções de espaços mais coerentes com os métodos que te interessam manter?

Entenda que você, educação contemporânea, é a responsável pelo seu destino e por se manter no caminho que entende e sente ser o seu, independente das projeções dos seus antecessores. Este é um trabalho constante, de reflexão e de ação.

Tente visualizar como você, educação contemporânea, enxerga esta questão da organização dos espaços de aprendizagem em relação a como você vê seu futuro mais desejado. Feche os olhos e pense qual o caminho a percorrer e o que você precisa para se manter neste caminho. São qualidades, habilidades, comportamentos, metodologias, ferramentas e mesmo espaços que já fazem parte da sua realidade ou você precisa desenvolver e incorporar estes elementos?

Fim de nossa sessão hipotética e início do trabalho de praticar o conhecimento adquirido.

É um processo fácil? Definitivamente não! Necessário? Certo que sim, se existe uma vontade legítima de encarar os pontos que impedem os processos educativos de chegarem ao presente e se relacionarem com a sociedade contemporânea e sua construção de realidade. Sim, se esperamos um futuro ainda mais vibrante para a educação formal, diferente de escolas ensimesmadas e que têm como seu único espaço de aprendizagem salas de aula com fileiras de educandos olhando para o mesmo ponto onde há um educador, salvo que a lousa é eletrônica e o material didático está num tablet.

Tirando partido e honrando todo o conhecimento teórico e prático acumulado em já séculos lidando com educação de massa, claramente podemos mais e melhor.

Se encararmos as questões extemporâneas de frente, tratarmos com máximo respeito o histórico do sistema educacional e reconhecermos que cada prática teve sim valor a seu tempo, porém pode ser uma estranha hoje e deve voltar, como presente, ao passado. Para permitir que o presente floresça e, também a seu tempo, tenha segurança de abrir portas para o futuro.

Paola Bernardi

Paola Bernardi é fundadora da Caraminhola – (re) projeto de escola, iniciativa de cocriação de projetos de aprendizagem pela experiência com base nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, cidades educadoras, escuta infantil e comunidades de aprendizagem. Arquiteta e urbanista, mestre em projeto sustentável e especialista em planejamento urbano e regional e gestão socioambiental. Tem experiência no Brasil e na Espanha em educação, sustentabilidade, planejamento urbano, gerenciamento de projetos e articulação entre sociedade civil organizada, iniciativa privada e poder público. Atuou como docente de graduação nos cursos de arquitetura e urbanismo, turismo e gestão pública. Ama gente (especialmente crianças!), aprender, cidades, artes, viajar, conhecer outras culturas, caminhar e correr.

Ver todos os artigos