desigualdade social acentuada, essa possibilidade já desperta atenções. E não é só a desigualdade social. Também há a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho e a desigualdade de escolaridade, que por sua vez tem impactos profundos na economia. Geralmente pessoas vindas de famílias mais pobres, têm menor chance de obter níveis mais altos de educação, portanto, têm menos probabilidade de conseguir uma posição melhor na sociedade, de ter uma profissão de prestígio e uma melhor remuneração. O país inteiro perde com isso. Nesse cenário, a existência de um novo modelo de negócios, os negócios com impacto social e em especial aqueles que integram o setor de microfinanças, são uma esperança para solucionar os problemas socioambientais do Brasil, amenizar a desigualdade social e combater a pobreza.

Uma nova tendência

Os diferentes tipos de organização de uma sociedade podem ser divididos em três setores: o primeiro setor, formado por entidades governamentais; o segundo setor, feito por empresas com fins lucrativos e o terceiro setor, formado por organizações sem fins lucrativos. Os negócios sociais aparecem nesse contexto como uma nova tendência, um setor híbrido entre as empresas e as organizações sem fins lucrativos. O chamado setor dois e meio. Em linhas gerais, um negócio de impacto social nasce ou se desenvolve em uma organização já existente quando há o propósito de resolver um problema socioambiental através de uma atividade comercial. Dessa forma, com a venda de um produto ou serviço, promove-se impacto social positivo com sustentabilidade financeira. Negócios sociais podem ser tanto ONGs com geração de receita própria, conectada ou não ao modelo de impacto da organização, quanto cooperativas e negócios que buscam impacto social, com distribuição ou não de dividendos. Apenas ficam de fora do grupo as organizações da sociedade civil sem geração de receita, ou seja, que financiam suas atividades apenas com doações de terceiros. Segundo a Força Tarefa de Finanças Sociais, o campo dos negócios sociais movimentou R$13 bilhões em 2014 no Brasil. O objetivo dessa organização é articular investidores, empreendedores, governos e parceiros para que em 2020 o montante investido seja de R$50 bilhões.

De onde veio o Negócio Social

O termo “Negócio Social” começou a ter mais popularidade depois dos trabalhos desenvolvidos por Muhammad Yunus, um professor de economia de Bangladesh, quando começou a emprestar dinheiro do próprio bolso para trabalhadores pobres, que não tinham acesso a crédito. A partir desse trabalho Yunus criou o Grameen Bank, primeiro banco de microcrédito do mundo, passando a multiplicar oportunidades na base da pirâmide. Ele viu que a taxa de inadimplência era muito baixa e com os pagamentos que recebia de volta fez crescer o negócio. Anos depois Yunus foi reconhecido como pai dos Negócios Sociais, ganhou o Nobel da Paz em 2006 e viu o microcrédito ser adotado no mundo todo por grandes bancos.  Hoje, o Grameen Bank é um negócio social de sucesso que une a atividade lucrativa do empréstimo com uma necessidade latente em seu país: a dificuldade de acesso a crédito. Essa é a filosofia: todo empreendedor social quer fazer o bem e lucrar no caminho. A diferença está na forma como se lida com o lucro. Para Yunus a relação entre a maximização do lucro e a obtenção de benefícios sociais é conflitante. Não que ele seja contra a busca por lucro, mas pontua que este deve ser reinvestido em sua totalidade na organização. É, portanto, contra a distribuição de dividendos obtidos em negócios sociais para seus acionistas. Do outro lado, há a perspectiva de que a distribuição de dividendos faz parte da lógica mercadológica e não deveria ser excluída pelos negócios sociais. Pelo contrário, isso criaria condições para que a organização receba mais investimentos e multiplique seu impacto social. Cabe a cada empreendedor social encontrar o caminho mais coerente para si.

E no Brasil?

O primeiro negócio social no Brasil foi fundado em 1981: o Grupo Primavera, uma organização da sociedade civil baseada em Campinas, tem como objetivo desenvolver programas de educação complementar para meninas de 6 a 18 anos, uma atividade comum de muitas ONGs. O diferencial dessa organização é a sua receita, proveniente da venda de produtos artesanais, feitos pelas próprias beneficiadas. Um exemplo mais recente é o Moradigna, negócio social fundado em 2014, que tem como objetivo principal realizar reformas residenciais em bairros da zona leste de São Paulo. Na periferia, os preços e condições de pagamento são acessíveis, condizentes com a realidade dos clientes. Um problema resolvido é a insalubridade. Além de ter uma casa mais bonita, o morador fica mais blindado contra doenças e tem menos desconfortos gerados pelo mofo, umidade e outros fatores. Atualmente, são 579 negócios sociais no Brasil – de acordo com 1º Mapeamento de Negócios de Impacto Socioambiental, de 2017 – dos quais 70% estão formalizados e 40% têm menos de 3 anos de fundação. Essa lógica de fazer negócios, ainda é nova e por isso pouca conhecida. É, no entanto, o modelo de impacto do futuro por quatro motivos: 1- Como uma empresa lucrativa, os negócios sociais têm mais sustentabilidade do que organizações sem fins lucrativos que sobrevivem apenas com doações, capital proveniente de editais ou programas governamentais. Com uma economia global desequilibrada e em um país de política instável, não podemos mais condicionar o impacto social ao capital de terceiros. Procurar um modelo de gestão que também busque o lucro se faz necessário para ter controle sobre suas próprias atividades. 2- Um negócio social tem grande potencial para escalar quando comparado a outros tipos de organização. Suas atividades estão desenhadas de modo que, quanto maior for o impacto positivo gerado, maior será o lucro dessa organização. 3- Hoje em dia os consumidores, investidores e parceiros querem saber se as empresas fazem algo mais do que apenas oferecer um produto ou serviço, se tratam bem seus funcionários, se mitigam sua pegada de carbono e respeitam o meio ambiente. Eles procuram por empresas que estão fazendo o bem e isso pode ser um fator decisivo em suas escolhas. As pessoas sentem uma conexão especial com empresas que compartilham de seus valores. 4- Negócios sociais têm facilidade para contratar e reter colaboradores. Os melhores candidatos levam em consideração uma série de fatores antes de decidirem para onde levarão suas habilidades. O salário por si só já não é mais suficiente. Eles procuram por empresas que tenham os mesmos valores e objetivos que os deles.

O modelo de impacto do futuro

A consciência coletiva aos poucos vai evoluindo sua percepção sobre temas como a ecologia, a igualdade de gênero e o trabalho escravo. Sabemos que o mundo vem se desenvolvendo de maneira insustentável. Também sabemos que para dar uma vida melhor às próximas gerações temos de mudar. A geração dos millennials, aqueles que nasceram depois 1982, não quer trabalhar com algo que não tenha propósito. Para essa geração as empresas não podem oferecer as mesmas coisas que ofereciam aos seus pais e avós há 20 ou 50 anos atrás. Esta geração está comunicando às lideranças mundiais que a gestão tradicional das empresas e dos negócios deve mudar e ser feita com propósito. Não é à toa que os negócios sociais estão se multiplicando. Os negócios sociais nos mostram como pode ser o futuro do mundo corporativo. São negócios que inspiram confiança, competem no livre mercado e estão construídos de forma a solucionar ou amenizar os maiores problemas enfrentados pela humanidade. Desde ao desafio dos sem teto e abuso de drogas, à saúde mental e assistência social – os negócios sociais estão atuando na ponta, criando oportunidades e reduzindo desigualdades. Empreendedores sociais estão mostrando aos empreendedores e executivos dos negócios tradicionais como o impacto social e o lucro podem andar de mãos dadas. Se estamos dispostos a encarar os desafios e incertezas dos anos que estão por vir, nós deveríamos olhar para o modelo dos negócios sociais com mais atenção. Uma inspiração e um caminho para entendermos como criar uma economia que funcione para todos. Cortesia da imagem da capa: University of Commons]]>

Lemuel Simis

Lemuel é co-fundador e diretor de comunicação da Firgun, uma plataforma de empréstimos coletivos voltada para empreendedores de baixa renda. Lemuel atua há mais de 10 anos com impacto social, é graduado em Relações Públicas e pós-graduado em Gestão de Projetos Sociais.

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