O sentimento de segurança, estabilidade e solidez não fazem mais parte das nossas vidas. A palavra-chave é desorientação, em todas as esferas. Mesmo diante tantos avanços, temos  um modelo de cultura que não sabe lidar com tanta complexidade. O pensamento é sobre o agora, mas foi escrito em 2019, no livro O mundo ainda é jovem: conversas sobre o futuro próximo.

A tecnologia ainda não nos trouxe maior tranquilidade e transparência; as informações disponíveis nem sempre são confiáveis, apesar de produção científica; o mundo continua com desigualdade e analfabetismo; e as métricas financeiras não trazem mais longevidade para as empresas, marcas e serviços. Além disso, estamos no centro de uma pandemia. O economista Muhammad Yunus diz que, se não conseguirmos nos empenhar em um programa de retomada econômica pós-coronavírus incluindo a conscientização social e ambiental, teremos um caminho muito pior do que a catástrofe provocada por esse vírus.

A Harvard Business Review publicou um artigo, o qual o título chamou minha atenção: We Need Imagination Now More Than Ever. Segundo os autores Martin Reeves e Jack Fuller, a imaginação – a capacidade de criar e explorar modelos mentais de coisas ou situações que ainda não existem – é o fator crucial para a criação de novas oportunidades encontrando novos caminhos para o crescimento. A criatividade envolve ir além dos precedentes e alternativas conhecidas, estimulando a exploração de novas ideias e abordagens. No entanto, essa habilidade sempre esteve presente tendo papel fundamental em todos os avanços econômicos, da era agrícola, para a industrial, e pós- industrial.

Apesar da sua importância, a primeira vez que se ouviu falar na importância da criatividade para uma nação, foi por meio de uma declaração intitulada “The Creative Nation”, feita pelo primeiro ministro da Austrália, Paul Keating, em 1994, em que considerava a cultura, a criatividade e a economia como estratégias de desenvolvimento. Nos países considerados ricos, a economia criativa, ou indústrias criativas são vistas como uma etapa mais sofisticada do sistema capitalista. Nos países ainda em desenvolvimento, as condições não são satisfatórias em função da carência de políticas públicas e ações mais direcionadas para médias e pequenas empresas. No entanto, a Economia Criativa pode ser vista como uma ferramenta estratégica e acessível para todos: na cidade criativa; na rua criativa; na empresa criativa; no aparelho criativo, e na pessoa criativa. 

A economia criativa pode catalisar mudanças e construir sociedades mais inclusivas, conectadas e colaborativas. Há uma vasta gama de atividades da economia criativa que podem ser expandidas e desenvolvidas, sendo um caminho viável para estratégias de diversificação econômica.

O comércio de bens e serviços criativos é uma força econômica crescente e poderosa. Possivelmente, sua contribuição para o PIB e sua participação no comércio global só aumentem à medida que conecta-se com a economia digital e de compartilhamento, com o comércio eletrônico e com muitas oportunidades emergentes nesses espaços. Além disso, o comércio tradicional de bens e serviços criativos continua sendo uma parte importante das economias locais de muitos países.

Por fim, também, a economia criativa tem o poder de influenciar e inspirar as gerações atuais e futuras, proteger nosso planeta, pessoas, culturas e recursos naturais e, portanto, contribuir para uma rota de desenvolvimento mais sustentável.”

– UNTACT – Creative Economy Outlook: Trends in international trade in creative industries

O conceito de economia criativa é antigo e é baseado na abundância, e não na escassez de recursos, pois seu principal insumo é a criatividade e o conhecimento humano, embora na prática nem sempre é o que vigora. Na economia criativa, o ser humano passa a ser o principal agente, uma vez que a criatividade e o conhecimento são frutos  apenas da nossa capacidade e, por isso, vistos como fontes para construir riqueza. Os intangíveis também são vistos como ferramentas estratégicas  de negócios. A identidade e cultural local, a inclusão social, a diversidade, a criatividade e a inovação, a tecnologia, a propriedade intelectual, a sustentabilidade – não só ambiental, mas das marcas, produtos, serviços e no próprio formato de novos modelos como o   compartilhamento e a colaboração. Em relação aos números, o crescimento da economia criativa é significativo, totalizando R$ 171,5 bilhões em 2017 – cifra comparável ao valor de mercado da Samsung ou à soma de quatro das maiores instituições financeiras globais: American Express, J.P.Morgan, Axa e Goldman Sachs.

Somos um país de aproximadamente 13 milhões de analfabetos. Os analfabetos funcionais  totalizam 38 milhões de pessoas de acordo com os dados da Pnad de 2018, do IBGE. Entre outros problemas, a informalidade que muitas vezes desumaniza, e que também presente na economia criativa, é retratada de forma brilhante no filme Você não estava aqui.

Não existe uma fórmula de sucesso pronta e da mesma forma que as pessoas são únicas, as marcas e empresas também. Diante de uma crise, a tendência será valorizar tudo aquilo que nos ajudará a construir um país melhor; a criatividade só é possível para aqueles que têm acesso à educação de qualidade e ao conhecimento. A criatividade e a inovação nascem em lugares que aceitam o erro, a surpresa, o risco, o dispêndio de mais tempo, a pausa e as imperfeições tão inerentes a nós humanos.

Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.

Daniela Jacques

Daniela tem uma carreira multidisciplinar em marketing. É professora e atua como consultora e pesquisadora nas metodologias netnográficas e etnográficas nos segmentos de educação, financeiro, consumo, luxo, entre outros. É membro do Laboratório de Economia Criativa da ESPM com publicações de artigos para revistas científicas. É publicitária, com Pós em Pesquisa de Comportamento e Antropologia do Consumo Future Concept Lab (Milão) SENAI/CETIQT, e Mestre em Gestão da Economia Criativa (ESPM).

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