Criar esse artigo para O Futuro das Coisas me causa certa empolgação e ansiedade em transmitir minha vibe em relação ao futuro.

Em meio à transformação tecnológica que o mundo está passando, no Brasil persistem empregos obsoletos e tecnologias primitivas. Parece que estamos atrasados em relação a outros países. Somos milhões de pessoas fazendo trabalhos repetitivos, limitantes da criatividade e mal remunerados.

Mas, mesmo neste cenário, cada dia mais acredito que podemos criar o futuro que queremos – sem ficar à mercê do que acontece por parte de governos ou monopólios, e até mesmo das empresas de tecnologia – se houver uma expansão da nossa consciência e compromisso em participar e entender esse novo mundo.

Painel “Há espaço para todo mundo no Futuro?” com Lucas SantanaSilvana BahiaLidia Zuin e Monique Evelle. (Foto: Patrícia Bernal)

Neste artigo, vou compartilhar dois pontos principais que absorvi no painelHá espaço para todo mundo no Futuro?” realizado no Festival Path 2018, que teve como painelistas, a Silvana Bahia, diretora do Olabi, organização focada em inovação social e tecnologia, e idealizadora do Pretalab, iniciativa que incentiva mulheres negras e indígenas nos campos da tecnologia e da inovação; Lidia Zuin, jornalista, mestre em semiótica, doutoranda em artes visuais, colunista do O Futuro das Coisas e pesquisadora da Envisioning; Monique Evelle, reconhecida pela Forbes como “30 under 30”, idealizadora de diferentes negócios da comunicação, educação e empreendedorismo sustentável; e Lucas Santana, responsável pela área de marketing da Evelle Consultoria e sócio da Kumasi.

1- Qual será o papel do ser humano em um mundo dominado por robôs, máquinas e automação?

Vamos pensar. Desde o início dos tempos, o homem vem criando e usufruindo de ferramentas para “fazer coisas melhores e de forma mais rápida”, certo? Adoramos essa constante inovação, porque isso nos permite fazer mais coisas, teoricamente nos deixa com mais tempo livre e nos traz constantes benefícios.

Se isso é um fato, incomodar-se com a evolução tecnológica a qual a única coisa que mudou desde o início dos tempos é a velocidade com que surgem novas ferramentas, é não aceitar o fluxo do desenvolvimento humano.

Não adianta parar no tempo e negar o que sempre soubemos: muitas das tarefas humanas acabam sendo substituídas por máquinas:

“Se você pensar, na Revolução Industrial, vários membros de famílias trabalhavam nas fábricas e, aos poucos, foram sendo substituídos por máquinas. O que mudou agora é que começamos a falar de fábricas operadas virtualmente e sem a presença de pessoas”, diz Lucas Santana.

Aliás, isso sim é algo que a gente precisa entender – para não entrar em pânico e encontrarmos nosso espaço em novos trabalhos que serão criados, substituindo os antigos. Afinal, precisamos de renda ou de algum tipo moeda de troca, pois esse ainda é o sistema majoritário no mundo. Ou seja, precisamos saber como gerar renda para as pessoas quando tudo está sendo automatizado pelos robôs.

Um ponto que a gente precisa entender é que não precisamos ter medo das novas tecnologias, mas precisamos ser astuciosos no uso delas. Assim a humanidade poderá se beneficiar das tantas coisas boas que elas podem nos proporcionar. Sem esquecer de escolher o uso delas para o bem, sempre.

Como disse o futurista Jacques Barcia, no painel “Futuros alternativos: Em qual podemos acreditar?“, é preciso ter um olhar crítico para toda novidade que chega: “Temos que questionar se precisamos de determinadas tecnologias, perguntar porquê precisamos daquilo e então fazer uso daquelas que realmente importam e podem transformar as nossas vidas para melhor”.

2- Como fazer a inclusão social em meio ao avanço tecnológico?

Outro ponto girou em torno da inclusão social de pessoas que não fazem parte de posições de poder e de produção de conhecimento.

Se estamos buscando soluções para criar novas “vagas, oportunidades e remuneração” para pessoas que irão perder seus empregos, imagine o desafio para aquelas que estão completamente distantes do conhecimento das tecnologias emergentes e que, muito provavelmente, serão as mais afetadas nessa substituição do homem pela máquina e pela automação. Isso porque os robôs não estão substituindo apenas funções “manuais”: a inteligência artificial já começa a ameaçar as funções mais “intelectuais”.

“Se continuar do jeito que está não acho que haverá inclusão social em meio a essas novas tecnologias. As pessoas que detêm esse conhecimento (engenheiros, analistas de TI, programadores, empresários, etc) são um “padrão” de pessoas, de certa classe social, e que estão à frente dos cargos que criam e controlam as máquinas. Mas temos que pensar em outras classes tomando frente das tecnologias também” sobrepõe Silvana Bahia. Ela enxerga com preocupação este cenário. “Uma chave que precisamos virar é quem produz as tecnologias? É ali que temos que colocar a diversidade. E temos que investir nisso agora, para não tornar o mundo ainda mais desigual”, conclui.

Uma das formas de fazer a inclusão social é entender e viabilizar um ambiente com maior diversidade sociocultural e mais inclusivo. Não apenas por causa das questões sociais e dos direitos humanos, e sim porque é uma questão de lucro e sobrevivência das empresas do futuro, que buscam constantemente a inovação. (Foto: Patrícia Bernal)

“A própria inovação fica muito comprometida quando temos apenas um tipo de olhar” alerta Silvana. Faz todo sentido. Basta olhar para o estado mais rico e inovador dos Estados Unidos, a Califórnia. Lá você tem gente do mundo todo produzindo, criando e inovando. E por que? Muito tem a ver com essa diversidade cultural, étnica, religiosa, e por aí vai.

Respostas às duas questões

Os dois pontos importantes nessa discussão sobre o futuro são:

1- Qual será nosso papel nos futuros trabalhos

2- Como dar oportunidades igualitárias a todos em um mundo imerso em tecnologia?

Para a primeira questão, Lídia Zuin mostra uma vantagem competitiva. “Atualmente 85% dos trabalhos já poderiam ser automatizados, mas eles não foram. Então, numa perspectiva mais geral e não só pensando na inclusão, o que se diz é que mesmo que a crescente automatização possa tomar o nosso lugar, é a criatividade e certas habilidades humanas que terão vantagem sobre as máquinas as quais ainda não conseguem reproduzir esse nosso ser humano e isso será o diferencial”.

Lídia ilustra que inteligência artificial, por exemplo, faz um reconhecimento de um determinado padrão mediante uma base de dados e consegue até criar algo novo, porém, não consegue atingir o nível de criatividade e características inatas ao ser humano.

E o que é SER humano?

Pra mim isso envolve desde as experiências individuais e únicas de cada um de nós, as emoções vividas até a nossa criatividade desenvolvida a partir dos nossos sentidos e repertórios e singulares referências. Isso tudo nos torna únicos na hora da criação, pois cada um tem uma história.

O “resgate humano em nós“, que tanto se discute em todas as rodas, seja da política ao autoconhecimento, se torna um movimento cada vez mais levado a sério.

Inclusive, na experiência que vivi no primeiro teatro imersivo de futuros que aconteceu no Festival Path, (leia aqui) um dos pontos discutidos entre a plateia, como chave para não deixar a tecnologia nos controlar, foi essa “humanização do ser humano” – algo que pode soar meio estranho.  Se conseguirmos colocar cada um no seu lugar, a interação entre máquina e homem poderá ser muito produtiva e benéfica.

E como resolvemos a questão da inclusão social em diferentes realidades?

Lucas corrobora com a Silvana acreditando que as empresas que forem mais diversas no futuro serão as mais lucrativas. “Empresas que possuem mulheres em sua equipe têm 15% de chances de ter maior faturamento. O mesmo raciocínio vale para o ponto de vista racial, onde esse número sobe para 30% no aumento de lucros”.

Lucas Santana correlaciona a diversidade com a inovação e lucratividade das empresas. (Foto: Patrícia Bernal)

Isso porque quando você tem uma equipe diversa, você tem mais acesso a determinados públicos, pois sabe como eles são – afinal você é um deles. “As pessoas que defendem essa diversidade vão ter que começar a mudar os quadros dentro da própria empresa se quiserem ser mais inovadoras, ter maior lucratividade e ser melhor aceitas pela sociedade”, conclui Lucas. Xeque-mate!

E será que o futuro vai cumprir com o que a modernidade disse no século XIII – Igualdade, fraternidade e liberdade?

Partindo da ideia de inclusão social, vamos à realidade. “Eu acho que temos que avaliar as narrativas. A Revolução Francesa nunca foi essa coisa linda que foi passada pra gente na escola e a história é uma construção também. Eu acredito, assim como o autor de ficção científica, William Gibson, que o futuro já está aqui, ele só não está igualmente distribuído”, reflete Lídia, que acredita que esse futuro não será pra todo mundo, e ela não está só nessa percepção.

“Eu também acho que não tem lugar pra todo mundo. Que futuro é esse? Futuro da automatização? Mapeando todos os nossos desejos? Esse é o futuro? Isso é presente e não futuro. Acho que precisamos estar mais atentos a essas questões que já estão rolando agora e vermos como podemos reduzir essa desigualdade que vai sempre existir, mas que talvez possamos reduzir”, complementa Silvana.

Plateia presente no painel. (Foto: Patrícia Bernal)

Cada contexto, sociedade e região terão suas prioridades. Enquanto uns vão estudar para criar um novo aplicativo de entretenimento, outros vão buscar formas de se alimentar melhor. São paradoxos e objetivos distintos que vão envolver ou não tecnologias para diferentes fins.

“Pode ter soado meio pessimista quando eu falei que não haverá espaço para todo mundo, mas o que eu quis dizer é que talvez não tenha espaço para todo mundo em uma mesma narrativa – a gente não é o Vale do Silício, ou às vezes o grande projeto de um brasileiro não é querer ir pra Marte, mas de repente acabar com a seca no Nordeste, porque pra eles (EUA) não é nada, mas pra gente é muito” contextualiza Lídia.

Um exemplo interessante para compreender melhor essa ideia de contextos é o clipe do Crioulo, Duas de Cinco + Cóccix-ência”.

* * *

E você? Já parou para pensar como a tecnologia cria valor para o seu trabalho? Reflita. Mapeie e entenda as ferramentas tecnológicas que estão disponíveis. Procure fazer parte de uma equipe mais diversa. Tenha consciência de tudo ao seu redor, o que falta e o que há de excesso. Esse é o começo de uma nova perspectiva de vida e de trabalho para esse futuro que está se aproximando rápido demais.

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Patricia Bernal

Patricia é filmmaker criativa, fotógrafa, jornalista e visual storyteller. Graduada em Jornalismo e Comunicação Social, fez um curso intensivo de cinema na Academia Internacional de Cinema (AIC) e Técnica em Audiovisual pela DRC Trainning. Sócia-proprietária da produtora WoW Films Media, especializada em projetos digitais, startups, YouTube, redes sociais e consultoria audiovisual. Criadora do canal Câmera na Mão, do grupo Mulheres Filmmakers, e do blog IH!Criei. Atualmente está também envolvida na produção do seu documentário Cadê a Criatividade.

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