Toda impressão em 3D tem um desafio: encontrar a viscosidade certa do material. Ele precisa ser fluído o bastante para ser extrudado, e, depois, espesso o suficiente para ser solidificado, e assim, apoiar o seu próprio peso. Cada camada deve endurecer antes que a próxima seja colocada.
Imprimir em 3D uma forma de água-viva, por exemplo, é complicado. Os tentáculos não suportam o seu peso, e se a água-viva for impressa de cabeça pra baixo, a impressora não consegue encontrar um lugar consistente para adicionar a camada seguinte.
Por isso, imprimir materiais “moles” e fluídos em 3D, é quase uma missão impossível. É, na realidade, uma nova fronteira da engenharia.
Mas, uma equipe de cientistas da Universidade da Flórida, descobriu que um determinado tipo de gel granular oferece uma solução para este problema.
O artigo publicado na Science Advances em 25/09/2015, de coautoria dos professores Tommy Angelini e Greg Sawyer, descreve a impressão em 3D de materiais usando uma matriz de gel granular com 99,8% de água e cheia de partículas microscópicas de hidrogel.
Esse gel proporciona uma combinação única de ser líquido quando ele é extrudido (sob pressão), e, em seguida, comporta-se como sólido, quando nenhuma pressão é aplicada ao mesmo.
Neste novo processo, a impressora 3D usa uma agulha para injetar de forma precisa, na matriz gel, um material macio para impressão. Guiada por um design digital, a impressora cria formas tridimensionais, geometricamente complexas que são suportadas pelo gel. Mesmo quando a agulha mexe continuamente o gel na forma seu traçado, as partículas se reconstituem rapidamente (ou seja, o gel é auto-curável ou auto-recuperável).
Esta abordagem permite a extrusão de materiais misturados no gel, para criar estruturas mais complexas, sem necessariamente recorrer a temperaturas elevadas ou raios UV que acarretariam risco de danificar estes materiais “mais fluídos”, em especial, os biomateriais.
Os autores do estudo, explicam que esse avanço possibilita uma grande variedade de materiais a serem utilizados nesse processo, incluindo os silicones, os hidrogéis, os colóides, e as células vivas. Inclusive, as composições exatas dos materiais que a equipe utilizou estão descritas com precisão no artigo publicado.
(A) Ponta preenchida com suspensão de microesferas fluorescentes. (B) A agulha revisita os mesmos pontos centenas de vezes para criar um nó escrito com suspensão de microesferas fluorescentes em gel aquoso granular. (C) Estruturas permitem um estudo detalhado em escala de comprimento e de tempo. (D) Velocidade do fluxo do gel granulado ao longo do eixo de translação. (E) Tampa hemisférica feita a partir de microesferas, criada 6 meses antes de ser fotografada, apresenta uma estabilidade a longo prazo por meio do gel granular.
Os autores também sugerem que esta abordagem pode ser utilizada para criar modelos pré-cirúrgicos precisos de órgãos e de tecidos. Eles imprimiram até mesmo uma réplica do cérebro do professor de neurocirurgia Frank Bova, para provar que, futuramente, cirurgiões poderão praticar nestas réplicas impressas antes de realizarem a cirurgia.
“Podemos fazer uma varredura de um cérebro com tumor e criar tecidos que se pareçam com os de um paciente real. Isso nos ajudará nas cirurgias”. (Frank Bova)
Outras aplicações dessa técnica incluem a engenharia de tecidos, os eletrônicos flexíveis, a engenharia de partículas, os materiais inteligentes e as tecnologias de encapsulamento.
Para demonstrar as possibilidades desse novo método de impressão 3D, os pesquisadores criaram vários objetos, incluindo bonecas russas (matrioskas) e um polvo artificial. No caso, o polvo foi removido do gel e manteve a sua integridade estrutural enquanto flutuou livremente na água. De modo semelhante, um modelo de água-viva também foi criado, exibindo movimentos naturais.
(A) Um modelo de polvo é criado a partir de múltiplas partes conectadas de hidrogel, antes da polimerização. (B) Uma imagem fluorescente do modelo polvo após a polimerização, ainda preso no gel granulado, sem apresentar nenhuma mudança estrutural no processo de polimerização. (C) O modelo polimerizado do polvo mantém a integridade após a remoção do gel granular, e é mostrado flutuando na água. (D) Um modelo de água-viva com tentáculos flexíveis. (E) A água-viva flutuando livremente na água, exibe robustez e flexibilidade. (F) Modelos de bonecas russas (matrioskas) demonstram a capacidade de aninhar outras partes. As fotografias (A), (C) e (E) foram iluminadas com luz branca, e as fotografias (B), (D), e (F) foram iluminadas com luz UV.
O futuro em aberto
O interesse mais revolucionário da equipe é a impressão utilizando células vivas. E já começaram a fazer isso utilizando vasos sanguíneos humanos e células de rim canino.
Um grande desafio em imprimir um tecido vivo em 3D (e talvez um dia, órgãos inteiros) consiste em criar uma capilaridade de vasos sanguíneos que mantenham as células abastecidas com nutrientes. Hoje, a vasculatura impressa tende a entrar em colapso antes mesmo de finalizar a impressão em 3D dos tecidos.
“Eles fizeram um avanço significativo. É um belo trabalho” elogia Jennifer Lewis, professora de Harvard. Mas, ela pondera que uma das limitações é o gel ainda ser inorgânico (pelo menos até o momento), e por isso, o tecido vivo impresso em 3D, pode não sobreviver por muito tempo.
No que a técnica poderá ser usada no futuro, é uma questão em aberto. A equipe vai continuar os testes. Angelini sabe que o uso de impressão 3D para criar tecidos e órgãos ainda será um longo caminho, mas ele é otimista. “Nosso método, penso eu, representa um caminho. Eu realmente acho que vamos chegar lá.”
O vídeo mostra a agulha da impressora 3D criando objetos complexos em géis.
Fontes: Science Advances e UF News.