Ah! As malvadas Disney e seus bordões únicos, que traçavam a marca da sua personalidade imutável e predestinada ao esquecimento ao final da história do felizes para sempre!

Sim, a infância das gerações Baby Boomer, X e Y foi marcada pelo modelo dual bem/mal, vilão/mocinho, princesa/bruxa. Era uma época em que a sociedade prezava pelo bem supremo, o bom impecável, o sujeito sem defeitos: só com virtudes. Mas se você analisar bem, quem é assim na vida real?

Essa era a intenção: na vida real ninguém era totalmente mau, nem impecavelmente bom. As histórias eram modelos a seguir, sonhos a serem sonhados, mas nunca realizados. Esse estigma, que marcou as décadas de 60 ao início do século XXI, foi sustentado fora das telinhas de animação por uma sociedade e por um mercado de trabalho de massa: era preciso industrializar tudo para que todos tivessem acesso a tudo. Ou quase tudo.

Era imperativo superar marcas, especialmente números na Educação e na Saúde. Durante aqueles tempos essa atitude foi necessária porque foi assim que superamos marcas de analfabetismo, crescemos na escolarização, aprendemos a fazer ciência verde-amarela (e exportamos muitos pesquisadores!), erradicamos (ou quase) algumas doenças, criamos novos hábitos alimentares, de atividade física, de leitura, de cultura, de lazer, de prazer.

Quem estuda Storytelling sabe que, parte da boa estrutura de um enredo está na virada do personagem. Aquele momento em que tudo muda no mundo dele e que, por essa razão, ele precisa sair da zona de conforto e buscar um novo espaço sócio-emocional para continuar sua história.

O objetivo continua sendo o “feliz”, mas agora ele também pode ser singular, e não ser exatamente para sempre, porque o personagem que aprendeu que tudo muda no mundo tem o domínio de competências que o fazem capaz de superar qualquer nova adversidade.

Let it go, let it go… Turn away and slam the door! I don’t care what they’re going to say. Let the storm range on cause the cold never bothered me anyway.”

Definitivamente, foi com “Frozen: uma aventura congelante” (título em português, Disney Studios, Jan/2014) que a fábrica de sonhos em animação assumiu um novo fato social: os comportamentos haviam mudado e o padrão do antigo modelo “contos de fadas” não tinha mais lugar no mindset da geração millenial. Ensaios anteriores (Enrolados, 2011; Valente, 2012) trouxeram estruturas diferentes na construção das personagens principais, mas ainda predominava o padrão príncipe/herói, mocinha/princesa indefesa, vilão malvado.

Com Frozen o mundo viu o primeiro sinal da virada de mindset do século em elementos inéditos na trama desse sucesso (fora o natural talento Disney de contar histórias e musicar filmes):

(a) Elsa não precisava de príncipes para lhe dar um castelo: ela era rainha e tinha seu próprio castelo;

(b) Elsa era boa, mas tinha um poder que (inicialmente) a tornava má, ou seja, não existe mais o modelo dual;

(c) Elsa parte em uma jornada de autopunição (imposta pela mentalidade herdada dos pais) que termina em autoconhecimento e amadurecimento (um reforço para os movimentos mãos-na-massa e faça-você-mesmo);

(d) Elsa usa seu poder (supostamente amaldiçoado) para construir (e não destruir): inicialmente o castelo para ela, depois, melhores dias para todos seus cidadãos e realizar o sonho do bonequinho de neve;

(e) o garoto pobre (Kristoff) é bom e valente, enquanto, pela primeira vez, um príncipe (Hans) é mau e ganancioso;

(f) o símbolo do amor maior não foi o beijo do príncipe, mas a lágrima que sela o amor fraterno incondicional entre as irmãs Elsa e Anna.

Tem muito mais, mas essa é a essência da virada de mindset de uma geração que vive conectada, que abandonou (de vez!) o estigma dual do século passado. Vivemos em um mundo onde a relatividade não é só um postulado de Einstein, mas uma realidade que não incomoda mais. Ao contrário, gerou uma nova competência que desponta na dianteira das inteligências sócio-emocionais: a empatia.

O que isso tem a ver com o Futuro da Educação?

Tudo…

Na era dos modelos duais, nós professores, recebíamos nas salas de aula estudantes que eram “moldados” aos padrões de massa: bom/mau, certo/errado, erro/acerto. Nossa sala era uma extensão de reforço para conceitos imutáveis: tudo está nos livros, o professor sabe tudo, lugar de aprender é na escola, computador (Hahaha! Sim, já existia computador ao final dos anos 90!) é máquina de escrever automatizada e, fora disso, é distração inútil.

Esses foram nossos “moldes”: aprendemos a dar aulas reproduzindo esses modelos, perpetuando esses velhos hábitos de supremacia frente ao processo de ensinar. Talvez muitos de nós tenhamos escolhido a docência porque (lá no fundo…) ela representava uma espécie de palco e era a materialização de um espaço privilegiado, imutável e de domínio seguro.

Nossa trilha mental (senhores das gerações Baby Boomers, X e uma parte da Y) foi moldada para aceitar que Cruela, Malévola, Madame Min eram vilões, mas eram donos do poder, e que não se discuta isso! Queiram ou não, para os estudantes, esses personagens representavam muitos professores. Talvez você mesmo já tenha chamado algum professor de bruxo ou vilão.

Hoje você é o professor e o mundo lá fora (da porta da sua sala de aula) mudou demais. Dentro da sua sala não estão mais os perfis Cinderela, Branca de Neve, ou príncipes que serão representantes de coragem e dedicação ilibada ao combate ao mal que assola o reino. Sua sala, atualmente, tem Elsas, Annas, Kristoffs, Valentes, Aladins e Hans: perfis flutuantes e mistas nas formas de ver, pensar, interagir e reagir aos elementos que os cercam, incluindo seus formatos de aulas.

Hoje, os estudantes vivem a saga da busca por suas virtudes, reconhecimento de seus defeitos, mas também dos seus poderes. Eles querem compartilhar pensamentos, ideias, acontecimentos da mesma forma em que se influenciam muito mais por quem compartilha o mundo com eles e não, cria uma verdade única e imutável para eles na sala de aula.

Eles querem aprender, mas também sabem ensinar, além de darem preferência a quem abre espaço para a criatividade, o inusitado, a expectativa de resultados de excelência. A teoria pela teoria não atrai essa nova geração. Eles aceitam, sim, aulas expositivas e longas, mas quando elas cativam a atenção pelos valores de experiência prática, de sucesso, e que mostram os bastidores sobre sonhar, planejar e realizar.

Agora, a sala de aula é o mundo, e lugar de aprender é em todo lugar. Agora podemos personalizar experiências de aprendizagem, mesmo no coletivo: basta que conheçamos estratégias, e não métodos. Agora devemos “desapegar” do poder e tornar o estudante a parte ativa, central e decisiva do processo, porque também somos cobrados pelos resultados dele advindos (que o digam os exames de larga escala, como ENEM e ENADE).

O que era “futuro” é “agora”, e neste agora – nós professores – temos o novo papel de curadores e de designers, de roteiristas de novos enredos, e escritores de novos finais. Mesmo os grandes e históricos vilões ganharam novos olhares, sob a perspectiva da empatia: calce os sapatos do outro e ande por suas trilhas para entender porque ele é o que é. Que o digam o sucesso de bilheteria dos filmes contando o outro lado da história de vilões como Malévola, Merlin, Meu Malvado Favorito.

E o que já foi futuro, também já foi agora. Que dizer das novas perspectivas para a interação entre o tal mundo imaginário e o mundo real, trazida pelo fenômeno Pokemón Go, precursor da realidade aumentada nos nossos smartphones e nos nossos dias? Pokemón Go (2016) mostrou a face da transição da virada de mindset: enquanto uma geração deixava o mundo imaginário só na imaginação, a geração Pokemón Go se engajou em trazer esse mundo para a realidade, e interagir com ele, no fenômeno chamado realidade aumentada. Isso transformou a forma como entendíamos e aplicávamos o imaginário, gerando uma nova onda de tecnologia a serviço da vida.

Mas preste atenção: até isso já não é mais novidade, porque a velocidade de mudanças e evolução é altíssima. E onde está você, professor, nesse novo paradigma? Onde está você, estudante, nessa nova perspectiva?

Walt Disney tinha medo de ratos (reza a lenda), transmutou seu medo em algo que ele amava fazer (Mickey, the Mouse) e isso transformou a vida dele. É de Disney também a célebre frase “se você pode sonhar, então você pode fazer”. Mas para fazer, terá que romper barreiras, paradigmas, hábitos, zonas de conforto, dificuldades, competição. E se romper com isso, poderá desenvolver tenacidade, superação, criar novos paradigmas e novos espaços de atuação, destacar-se na competição, entregar melhores resultados e (sim!) ser melhor remunerado para isso. Esse é o mindset que guia a nova geração: RESULTADOS. Esse é o mindset do presente e um prelúdio do que pode ser o futuro. E se você não entrega resultados, então não tem poder de argumento para remunerações melhores.

Chegamos ao final da história de hoje com o ponto de impacto que eu queria naquele inicial “espelho, espelho meu!”. Desde nossa idade mais tenra fomos levados a acreditar no professor como alguém que era só vocação, só dedicação, que não se importava com dinheiro como recompensa para o trabalho “iluminado” de formar novos cidadãos e novos profissionais (quem nunca ouviu aquela pergunta “você só dá aulas ou trabalha em alguma coisa, também?”). Crescemos com essa ideia, vivemos sob ela e é momento de mudá-la, sem que isso nos faça vilões!

Não. Remuneração para o trabalho de ensinar, conduzir e verdadeiramente f-o-r-m-a-r com excelência, não pode ser baixa. No mercado de trabalho atual a boa remuneração existe concretamente para os poucos que romperam com o modelo de reproduzir o velho e aderiram ao propósito de investir na sua própria inovação. Para quem aumentou o repertório, desenvolveu interfaces, “saiu da caixa” com novas ferramentas e novos comportamentos, e trouxe isso tudo para transformar suas práticas docentes.

Agora que choquei colocando as palavras professor, dinheiro e educação na mesma frase, quero deixar minha marca meio Malévola, meio Elsa: se você está recebendo abaixo da média é porque está fazendo na média. Porque continua no velho Plano de Ensino, aceita a velha escola, tenta ler sobre metodologias ativas, segue aprendendo sobre sala de aula invertida em cursos onde todos sentam-se em carteiras e assistem 1.677.288 slides de PowerPoint sobre as teorias e explicações.

Se você está fazendo isso é porque é essa realidade que o faz sentir-se seguro em aprender novas coisas: aprendê-las nos velhos modelos. Sentiu o paradoxo? É como tentar tirar a espada da pedra sem ser Arthur! É preciso SER antes de FAZER. Se você quer o final feliz, lhe adianto que ele não será para sempre, porque o para sempre imutável não existe mais. Mas os finais podem ser felizes para quem já entendeu que o “espelho, espelho meu!” foi a deixa usada desde 10/01/1938 (lançamento da animação de “Branca de Neve”) para estimular você a olhar no seu próprio espelho e perguntar-se: onde está, o que é, e para onde quer ir? Vale para a carreira também!

Finais felizes são pontos que marcam novos recomeços. MUDAR representa deixar de consultar o velho (e puxa-saco) modelo “mago do espelho”, que é absolutamente teórico porque, ele mesmo, é feio de doer! Quando consultado, esse tal mago (que pode ser um palestrante que mostra mil teorias nas semanas pedagógicas) continuará reforçando ultrapassados modelos travestidos de novas palavras. Ele sabe que assim todos se sentirão satisfeitos, apesar de não realizados, e isso lhe basta porque ele não tem compromisso com resultados. Só com o show!

Esse mago (puxa-saco e feio!) fala da beleza, mas não lhe dirá que a mágica que você precisa agora vem de dentro de você, de ir em busca da prática de novos conceitos, de tentar e errar em ambientes colaborativos e controlados, para aprender com os erros ( erros são essenciais!). E tentar de novo, de novo, e de novo, até acertar, porque ninguém acerta na primeira, e o primeiro passo não conduz ao seu destino, mas lhe tira do lugar onde está!

Esse modelo “mago do espelho” resistirá mostrar a prática das novas linguagens, e até os feitiços que a tecnologia pode fazer no seu dia a dia, porque ele é o que é: alguém que só fica no espelho, falando e repetindo visões, e que nunca fez nada acontecer na prática.

Espelho, espelho meu!” O espelho é seu! Vá em busca do que ainda não viu nele: bagunce sua vida e saia do castelo, enfrente seus dragões e aprenda a dominar novos poderes. Mude o enredo! Seja você quem for, nesse mágico mundo em transformação, não abandone aquilo que lhe torna único como professor: sua capacidade de realizar os sonhos de outros por meio da mágica de transformar conhecimentos em experiências de aprendizagem.

E de todos – absolutamente todos – terem chances de finais felizes, sem que o “não é para sempre” intimide ou assuste. É isso que faz o futuro da educação um lugar absolutamente mágico: o poder de transformar!

Um “Bibbidi-Bobbidi-Boo!” para você… E que venha o novo ano letivo!

Crédito da imagem da capa: Alex Baker em Reflections: a study in mirrors.

Denise Da Vinha

Fisioterapeuta, Mestre em Fisioterapia, Doutora em Pediatria e Pós-Doutora em Engenharia Biomédica. Especializou-se em Metodologias Ativas de Aprendizagem e em Design Thinking for Education. Além de seguir atuando na carreira docente (no Brasil e na Espanha), atua na assessoria de desenhos Curriculares personalizados e inovadores, onde o principal trabalho é preparar, em mindset e repertórios, o corpo docente de instituições de ensino superior para que encontrem os melhores caminhos da inovação na formação dos egressos, dentro de sua própria realidade e recursos. Há dois anos iniciou a Rede Innovares (Facebook e YouTube), um projeto de desenvolvimento docente, baseado em modelos colaborativos, com o objetivo de dividir conhecimento para multiplicar experiências de aprendizagens. Sua produção científica conta com artigos em periódicos nacionais e internacionais, cursos e palestras em eventos científicos, livros, orientações de pós-graduação, sistematização de processos científicos e técnicos, todos nas áreas de Educação, Fisioterapia e Saúde.

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