Já parou para pensar que costumamos relacionar educação a um prédio? Tudo o que entendemos conscientemente, no âmbito do senso comum, por educação é, e só é, o que acontece dentro de uma sala que fica dentro de um edifício. Aquele que chamamos escola ou, quando caminhamos para a vida adulta, de universidade.

E já tentou pesquisar o que significa, de verdade, “escola”? Ou refletiu sobre a relação que existe entre as “universidades” quando tratamos como palavra e como edifício?

Quem já se atreveu a buscar estas relações deve ter ficado perplexo com a disparidade entre o termo e sua apropriação no espaço construído.

Porque escola vem de um termo grego, “scholé” que significa lugar do ócio, tempo livre e no qual aprender é uma opção mais que uma imposição, pelo entendimento de que o princípio de toda a ação é o ócio e que este é a finalidade de toda a ocupação, pois permite que se use o tempo para o que é de interesse.

universidade, vem de universalidade ou o conjunto das coisas ou o todo. Não é exatamente um lugar que incorpora o universo, mesmo quando levantamos a questão da coexistência de vários campos de conhecimento – e aqui o mais benevolente que se pode ser é falar de coexistência mesmo, porque interação existe muito pouca para um ambiente que se denomina plural.

Não seria mais lógico relacionarmos educação com construção de conhecimento? Aprender e refletir sobre como as coisas e seres que nos cercam e fazem parte da nossa vida existem, funcionam, se relacionam, interferem uns nos outros? Independentemente de onde, como e quando isso acontece?

E, neste momento em que se fala tanto sobre plataformas de aprendizagem, e se desenvolvem tantas plataformas oferecendo o diferencial de estarem na nuvem, no mundo virtual, acessíveis a todos, em qualquer lugar, o tempo todo, por que ainda há a resistência em aprender em outro lugar que está de fato acessível a todos, em qualquer lugar, o tempo todo e não precisa de dispositivo eletrônico ou tecnológico, nem de fonte de energia, nem de sinal de internet para ser acessado?

E onde de fato o conhecimento é produzido e aprendido por nós todos, mesmo que não estejamos conscientes do quê e do quanto aprendemos quando estamos imersos nesta plataforma?

Bem-vindos ao mundo real, onde a vida acontece e com o qual aprendemos o tempo todo e em todos os lugares! Mesmo que não nos demos conta disso…

Que escola ou plataforma ou ambiente de aprendizagem melhor podemos oferecer?

Um ambiente em que podem ser combinadas experiências e manifestações reais e virtuais. Um tabuleiro em que cada iteração entre peças e das peças com o próprio tabuleiro pode legitimar ou transformar as regras do jogo e mesmo mudar o jogo…

E onde são jogados vários jogos simultâneos, sem relação aparente, porém emanando uma força tênue de interação, como o efeito borboleta. A plataforma onde podemos de fato experimentar toda a complexidade dos sistemas que interferem na nossa vida, porque é o lugar onde a nossa vida acontece, como indivíduo(s) e como coletivo(s).

Mudar essa lógica de trabalhar educação numa sala fechada, num edifício fechado e levá-la para as cidades e ambientes rurais e de floresta e ribeirinhos e tantos outros que constituem o mundo para o qual a escola e a universidade se fecham, de fato, apresenta algumas implicações.

Viabilizar operacionalmente este movimento de “desescolarização”– porque sair do que se entende por “escola” para trabalhar na nossa escola, real e em versão ampliada – rompe com uma série de concepções e relações formadas e formatadas por aquele ambiente, e é uma tarefa bastante simples! A parte complexa é quebrar o muro de resistência à mudança, que pode ser representado pelo próprio muro da escola ou da universidade, que mantém todos “seguros” ali dentro, fechados para o mundo imaginando entendê-lo.

A primeira barreira a ser quebrada é tratar esta viagem ao mundo real da aprendizagem com intencionalidade, tomada como uma das maiores dificuldades por professores (e aqui não cabe chamar de educadores, porque educadores conscientemente imprimem intencionalidade – perdoem o nível de pleonasmo, mas é intencional!). Como se não houvesse nenhuma intenção na repetição perpétua do “modus operandi” das aulas tradicionais! Pode ser minimizar esforço, falta de coragem de tentar uma abordagem diferente, medo da repreensão dos gestores ou de ridicularização pelos colegas também “tradicionalistas”, mas é uma intenção.

Mudar o lugar da aprendizagem pressupõe mesmo mudar a lógica da escola tradicional e adotar abordagens pedagógicas ativas, para educadores e educandos: aquelas que permitem pesquisa, reflexão, construção coletiva de conhecimento, colaboração, diálogo e podem resultar (e via de regra, resultam!) na emergência de uma inteligência coletiva de valor absoluto maior do que as partes que a construíram.

No mundo da aprendizagem por interação com o ambiente natural ou construído, com os vizinhos e os colegas e da reflexão sobre suas características e relações, trinta partes podem resultar em cinquenta ideias, ou mais! Para conhecer mais sobre como a soma de várias partes pode gerar um resultado bem maior que o que conhecemos por soma e/ou bem diferente do formato original e também inesperado, fica a sugestão de leitura da obra do Steven Johnson, “Emergência”.

“E como fica o papel do professor?”

Esta é a pergunta repetida exaustivamente em todos os encontros de educação quando se trata uma metodologia ou abordagem que divergem do tradicional. Bom, resposta repetida também exaustivamente: professores que adotam esta postura devem querer, também intencionalmente, subir à categoria de educadores, de facilitadores de aprendizagem, de mediadores da construção de conhecimento, de curadores de conteúdo.

Não é vantagem suficiente?

Então some-se a todos estes títulos – porque nossa sociedade adora um título ou certificado! – a abertura à aprendizagem contínua, ou como aponta o programa “dos”, “nos” e “com” os espaços eleitos como plataforma – ou territórios educativos – e, principalmente, com os educandos. E, neste ponto, encontramos uma vantagem evidente, pois, pela primeira vez na história, temos muito claramente uma nova geração com habilidades para efetivamente desafiar as anteriores, como afirmado por Lia Diskin, que utiliza uma abordagem de base que ultrapassa a coletiva, afetuosa e humana na sua atuação na Fundação Palas Athena.

E o que todo o grupo que rompe com os limites da escola aprende, além dos conteúdos estabelecidos nos Projetos Político Pedagógicos e currículos escolares?

Segue uma lista enxuta e preliminar do que se pode aprender “do”, “no” e “com” o mundo que pode e deve ser atualizada e complementada à medida em que se realizem estas experiências:

Protagonismo:

Duas observações em cadeia para reflexões que podem levar a mais delas:

(1) quando saímos da escola e vamos a campo para pesquisar a realidade como objeto e plataforma de aprendizagem, cada um é responsável pelo que pesquisa, sistematiza, diagnostica, relata e aprende e

(2) quando a base é da construção coletiva do conhecimento, cada um também tem papel importante e singular na construção do conhecimento dos demais e daquele que emerge a partir da interação de todo o conhecimento produzido pelo grupo.

Transdisciplinaridade:

Qualquer um mais atento ao mundo percebe que nada na vida nos é oferecido de maneira segmentada como aprendemos na escola. Exemplo: uma visita a uma praça nos oferece a possibilidade de aprender sobre matemática (álgebra mais geometria), biologia, química, línguas, história, geografia, física, educação física.

Pense que e quantos elementos ou relações ou atividades presentes numa praça dão margem a discussões nestas áreas de conhecimento! Não é surpreendente? É difícil virar esta chave? Siga pensando nisso…

Problematização de conteúdos e pensamento crítico:

Se trabalhamos com uma realidade com a qual já temos algum contato ou estabelecemos contato com quem participe daquela realidade, é bastante provável que a discussão de conteúdos programáticos seja permeada por questões próprias das relações e tensões vividas no cotidiano daquele território e daquele grupo. E também, que haja divergência de pontos de vista. E isso é ótimo! Tanto se olharmos pelo prisma do tratamento do conteúdo a partir de um “problema” que leva à reflexão sobre relações de causa e efeito ou partes envolvidas, entre outros componentes da questão, quanto pela reflexão em si e o estímulo a uma postura crítica frente a um cenário dado, que parta da análise de seus elementos e condicionantes.

Sensibilidade:

Ao sairmos do lugar onde estamos acostumados a desenvolver uma atividade, nossa percepção e nossos sentidos tornam-se mais apurados em contato com a novidade. Tente lembrar como reagiu da última vez que isso aconteceu. Some-se a isso a explosão de ânimo por não precisar ficar imóvel numa cadeira e sem poder se comunicar com os colegas. E mais: o direcionamento à exploração de características do território e seus habitantes que você nunca observou ou tem bastante conhecimento para contar ao grupo. Os sons, as cores, as texturas, as pessoas, as atividades, a história, tudo o que constrói a comunidade em que a escola está inserida!

Aprendizagem com significado:

Quer mais significado do que usar o espaço da vida como plataforma de aprendizagem? Entendendo um pouco mais as relações tecidas ali a partir dos conteúdos curriculares? E estreitando mais ainda os laços com os lugares e as pessoas que vivem ali?

Senso de pertencimento:

Espaço para uma reflexão elaborada pela Helena Singer no “Ciclo Educar Hoje: Educação Integral e Cidades Educadoras” oferecido pelo SESC São Paulo, partindo do princípio que, mesmo sendo a instituição brasileira mais pulverizada no território, ela não tem qualquer relação de pertencimento e identificação com este, pois pertence à “rede”, aquela entidade extremamente abstrata, mas que tudo vê e coordena – e condena também.

Territorializar e contextualizar a educação com a comunidade, levando a aprendizagem para fora da escola, abre uma oportunidade de encaixar a escola como lugar de referência também para práticas comunitárias, levando seus membros a participar do cotidiano escolar e a incluir a escola em seu cotidiano, e dá às crianças e jovens ferramentas para reconhecer aquela comunidade como sua, mesmo que morem longe, ou reconhecer a sua comunidade a partir das leituras oferecidas para aprender.

“Novas tecnologias”:

Finalizando esta breve lista com o grande tópico em educação para o senso comum, mas tratando-o virado do avesso: aqui o novo vem do reconhecimento, por parte de um grupo que imagina o virtual e o em rede online como única referência de tecnologia, quando estamos cercados por ela em seus distintos momentos históricos. Um passeio pelo entorno da escola pode lançar luz a tecnologias construtivas, sociais, de mobilidade, ambientais e promover um novo entendimento do termo. E deixar claro que tecnologia também é uma construção, executada a partir de conhecimento acumulado ao longo dos tempos. E que importa mais como se usa do que o uso propriamente.

E então educadores?

Prontos para tentar abrir as portas da mente e da escola e dar uma chance à melhor e mais acessível plataforma de aprendizagem? Num futuro próximo? No próximo horário? Pensem um pouquinho nisso. Mas pensem rápido, porque pode se tornar uma exigência. Em breve.

Paola Bernardi

Paola Bernardi é fundadora da Caraminhola – (re) projeto de escola, iniciativa de cocriação de projetos de aprendizagem pela experiência com base nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, cidades educadoras, escuta infantil e comunidades de aprendizagem. Arquiteta e urbanista, mestre em projeto sustentável e especialista em planejamento urbano e regional e gestão socioambiental. Tem experiência no Brasil e na Espanha em educação, sustentabilidade, planejamento urbano, gerenciamento de projetos e articulação entre sociedade civil organizada, iniciativa privada e poder público. Atuou como docente de graduação nos cursos de arquitetura e urbanismo, turismo e gestão pública. Ama gente (especialmente crianças!), aprender, cidades, artes, viajar, conhecer outras culturas, caminhar e correr.

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