Vivemos um momento sem precedentes na história da humanidade, onde pela primeira vez temos mecanismos e tecnologias avançadas e exponenciais para efetivamente construir novas realidades e mudar o status quo de coisas que não fazem mais sentido.

Mas, será que a forma que estamos encarando os avanços tecnológicos e as mudanças é a ideal?

Quais problemas estamos concretamente resolvendo? E quais estamos causando?

Todo esse esforço e desenvolvimento tecnológico está realmente à serviço de que (ou de quem)?

Estamos agindo nas causas ou apenas nos sintomas?

Quais os riscos envolvidos nesse processo?

Estamos aproveitando ao máximo todo esse poder para realmente construir um mundo melhor? Qual a nossa responsabilidade em relação a tudo isso?

O genial pensador Marshal McLuhan, um dos primeiros ¨futuristas¨ da história, conhecido por vislumbrar a internet quase 30 anos antes de ela ser inventada, dizia que primeiro construímos as ferramentas e depois as ferramentas nos constroem, ou seja, somos constantemente moldados por aquilo que moldamos. Os meios de informação e comunicação cada vez mais podem ser considerados extensões do ser humano, incluindo seus sentidos, mentes e corpos. Isso faz com que muitas vezes não tenhamos a percepção do caminho que estamos percorrendo. Apenas seguimos o fluxo.

No contexto atual, isso é agravado pela overdose diária de informação que recebemos, onde nos sobra pouco tempo para refletir sobre o propósito de toda essa carga de informação consumida. O economista e filósofo Eduardo Gianetti diz que estamos cada vez mais obesos de informação e famintos de sentido.

A partir desse contexto, observamos correntes de pensamento divergentes, algumas trazendo visões negativas e outras bastante positivas em relação às novas tecnologias. O filósofo e sociólogo Zygmund Bauman, falecido no início deste ano, destacou que atualmente o ritmo incessante das transformações gera angústias e incertezas e dá lugar a uma nova lógica, pautada pelo individualismo e pelo consumo. As formas de vida moderna, segundo ele, se assemelham pela vulnerabilidade e fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça esse estado temporário das relações sociais.

Outro sociólogo que vê a questão com cautela é Richard Sennet, o qual critica as tecnologias ditas inteligentes, argumentando que elas, pelo contrário, nos distanciam cada vez mais da inteligência e da complexidade social. Segundo Sennet, a web está sendo programada e utilizada com base em códigos padronizadores e uniformes, concebida para entregar um produto social cada vez mais primitivo.

Na contramão desse grupo menos otimista, observamos os entusiastas da nova economia centrada nas tecnologias exponenciais. Nomes como Elon Musk, Mark Zuckerberger, Peter Diamond, Ray Kurzweil, Larry Page e Bill Gates batem na tecla de que a tecnologia traz muito mais possibilidades e oportunidades do que armadilhas e ameaças. Esses e milhares de outros empreendedores atuais vêm defendendo que as novas tecnologias nos possibilitam trocas, conexões e níveis de interação ilimitados, e que isso sem dúvida pode trazer benefícios sociais imensuráveis. E o fato é que esse pessoal faz muito mais barulho do que o grupo anterior, os quais são vistos pelas novas gerações como protagonistas dos tempos modernos. Não sabemos ao certo por quais motivos eles são mais ouvidos, mas algumas hipóteses são fáceis de propor:

1 – Eles têm o poder econômico e as plataformas de conteúdo em suas mãos;

2 – Historicamente acreditamos naquilo que nos é mais conveniente; ou

3 – Não temos outra alternativa, pois a evolução tecnológica é um caminho sem volta.

À margem de toda essa discussão está o fato inegável de que a informação está cada vez mais disponível para todos. Hoje não podemos dizer que não sabemos o que acontece no mundo, no nosso continente, país, cidade ou bairro. Podemos até afirmar que não queremos saber, mas jamais que não temos condições de saber. E essa é a grande questão, talvez o ponto fundamental, que muito pouco discutimos. E a tecnologia pode ser a razão ou a solução para isso. Ou seja, se prestarmos atenção na questão central de todo esse debate, é possível concluir que o primeiro grupo citado prega que a tecnologia está reduzindo a nossa capacidade de gerar empatia, enquanto o segundo grupo acredita que a tecnologia nos traz a possibilidade de expandir a geração de empatia.

Experimentos científicos na área da psicologia demonstram que a empatia raramente se estende além do nosso campo de visão. Ou seja, tudo aquilo que está fora do nosso campo de visão, geralmente está também fora do nosso campo de pensamento. Provavelmente por isso tendemos sempre a gerar empatia e ajudar àqueles que estão próximos (ex. família, amigos, etc.). Entretanto, a partir do momento em que as tecnologias elevam radicalmente o nosso campo de visão, mesmo que virtualmente, é fato que as novas ferramentas realmente nos dão a possibilidade de tomar conhecimento, entender melhor as necessidades, e até mesmo ¨sentir as dores¨ de um número muito maior de pessoas.

Em tempos que discutimos tanto questões como inteligência artificial, realidade virtual e realidade aumentada, talvez pudéssemos começar a pensar em desenvolver o conceito de ¨empatia aumentada¨. Em vídeo publicado em 20155, o qual serviu de inspiração para esse artigo, Jason Silva propõe um novo conceito para o termo “bilionário¨: alguém que impacta positivamente a vida de um bilhão de pessoas. De certa forma esse conceito já é aplicado por Peter Diamond, Ray Kurzweil e sua turma na Singularity University, tendo o mesmo parâmetro como um de seus valores e principais critérios de seleção para estudantes que desejam ingressar na disputada escola. Ou seja, a SU já está em busca dos “novos bilionários”.

Ideologias a parte, pensando a partir de uma perspectiva pragmática, as questões trazidas por Silva em seu vídeo são legítimas e estão em consonância com uma realidade que não irá regredir. A partir disso, sem dúvida devemos ao menos prestar atenção e discutir algumas provocações levantadas por ele.

A nossa responsabilidade em relação às novas tecnologias e novos contextos sócio econômicos deve ser um tema cada vez mais estimulado por empresas, agentes públicos, meios de comunicação, universidades e escolas, principalmente entre crianças e adolescentes que já nasceram nessa realidade, os quais irão manipular e ser radicalmente manipulados pelas tecnologias emergentes.

Não podemos de forma alguma perder o foco no desenvolvimento das competências interpessoais necessárias para as gerações atuais e futuras. Sem dúvida é a empatia aumentada que irá nos possibilitar agir nas causas e resolver de fato os problemas mais relevantes para que a humanidade possa evoluir de forma plena e construir em conjunto um mundo mais justo.

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Flavio Castelo Branco

Administrador e sócio da empresa Perspectiv, trabalha para ajudar empreendedores e organizações a surfarem na onda da transformação digital sem perder seus propósitos de vista.

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