Editar o DNA tornou-se tão fácil para os geneticistas quanto editar um texto no Word.

Isso graças à CRISPR.

A CRISPR é uma nova e revolucionária técnica para a edição de DNA. Ela permite que cientistas modifiquem genomas com uma imensa precisão. Essa nova capacidade possibilitou uma série de conquistas nos últimos anos, como por exemplo, conseguir prevenir a infecção do HIV em células humanas.

Isso pode ser o lado bom. Mas tem o lado terrível também.

Em abril de 2015, cientistas chineses anunciaram que aplicaram a CRISPR em embriões humanos. Eles editaram um gene específico para neutralizar – antes do nascimento – a ameaça de uma doença fatal. Isso sugere a potência dessa técnica para criar a era do design de bebês.

Só que, dos 86 embriões utilizados ​​no experimento, apenas 28 tiveram seu DNA editado com sucesso, e apenas 7 deles perderam o gene nocivo. Em alguns embriões, a técnica errou o alvo e atingiu o DNA em outras partes – o que poderia causar novas doenças, em vez de evitá-las.

Esse estudo chinês, publicado na revista Protein & Cell, abalou o mundo científico. Iniciou-se um ardoroso debate em que cientistas advertiram que a alteração da linha germinal humana, sem entender os desdobramentos, poderá ter consequências terríveis.

O temor é que, mesmo aqueles geneticistas com boas intenções, possam equivocadamente editar mudanças no DNA que gerariam mutações perigosas e até mesmo mortes. Cientistas com intenções menos nobres poderiam tentar criar uma raça de super-humanos.

Porém, o DNA humano é apenas uma das preocupações éticas. O DNA de cada organismo – cada planta, cada animal, cada bactéria – entra no alvo para uma possível manipulação genética. Estamos entrando em uma era de biologia sintética que preocupa a todos.

Como funciona a CRISPR

A CRISPR nada mais é que um mecanismo de defesa natural encontrado em bactérias e outros organismos unicelulares, protegendo-os de vírus. Ela dá imunidade através da incorporação de elementos genéticos dos vírus invasores.

Nos anos 80, cientistas observaram um padrão estranho em alguns genomas bacterianos. Uma sequência de DNA poderia ser repetida, diversas vezes, com sequências únicas entre as repetições. Eles chamaram essa configuração de “agrupados de curtas repetições palindrômicas regularmente interespaçadas”, ou na sigla em Inglês, CRISPR (clustered regularly interspaced short palindromic repeats).

Os cientistas perceberem que as sequências únicas entre as repetições combinavam com o DNA de vírus predadores de bactérias. A CRISPR mantinham partes de vírus perigosos ao redor para poder reconhecer e se defender de ameaças nos próximos ataques. A outra parte desse mecanismo de defesa é um conjunto de enzimas chamado Cas9, que podem eliminar vírus invasores.

Essa defesa antiviral possibilita uma maneira surpreendentemente barata e simples para editar rapidamente o DNA de qualquer organismo em laboratório.

Mais fácil e acessível

Até recentemente, apenas sofisticados laboratórios, com anos de experiência, e investindo milhares de dólares, podiam editar o DNA. A CRISPR mudou isso. Para configurar a capacidade de editar com a técnica CRISPR, um laboratório só precisa encomendar um fragmento de RNA (que custa cerca de 10 dólares) e comprar produtos químicos e enzimas por 30 dólares ou menos.

Sendo mais barato e mais fácil, a CRISPR revolucionou e democratizou a pesquisa genética. Milhares, de laboratórios estão realizando projetos de edição com essa técnica. Há uma corrida entre instituições de pesquisa para arquivar patentes de novas técnicas. Milhares de dólares estão sendo investidos em projetos CRISPR.

Enquanto isso, os principais geneticistas – incluindo um dos desenvolvedores da tecnologia CRISPR – estão pedindo moratória sobre o uso de novas técnicas de edição de DNA.

Zona cinzenta assustadora

Alterar o DNA humano cria, para os cientistas e para a humanidade, uma zona cinzenta ética assustadora. Por um lado, milhões de pessoas que sofrem de doenças genéticas, se beneficiariam com pesquisas CRISPR para a cura de doenças. Por outro lado, é extremamente arriscado sem um conhecimento mais aprofundado de como o nosso DNA realmente funciona.

Alguns cientistas estão buscando entender como as diferentes peças do genoma humano funcionam juntas. Por exemplo, até recentemente, eles pensavam que boa parte do nosso material genético não servia para nada. Chamavam de “DNA lixo”. Sabemos agora que o “DNA lixo” desempenha um papel fundamental na regulação da expressão genética.

Assim, há cenários sombrios.

E se um pesquisador bem-intencionado desenvolve a cura para uma doença e aplica sua nova técnica em milhares de doentes antes de perceber que os efeitos colaterais são devastadores ou mesmo mortais? Ou seja, e se a cura for muito pior do que a doença em si?

Tal cenário pode acontecer com uma boa intenção. Agora, imagine essas ferramentas poderosas nas mãos de bio-hackers sem escrúpulos. Por exemplo, eles poderiam alterar o genoma da gripe tornando-a mais potente e desencadeando uma epidemia que mataria centenas de milhões de pessoas.

Medidas de proteção

Regina Parizi, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), avalia que os cientistas chineses falharam pela falta de transparência em sua pesquisa, que só ficou sujeita à avaliação científica e ética de outros pesquisadores e do público após a sua publicação. Além disso, ela lembra que, de acordo com a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da Unesco, assinada no anos 90, todas as pesquisas na área devem levar em conta suas implicações éticas e sociais.

Na realidade, não é só a questão da transparência. Como alerta Vivek Wadhwa, não há qualquer regulamentação governamental sobre a edição do DNA humano. As preocupações éticas não foram compiladas. Não existe um inventário centralizado de gestão de risco, listando quais laboratórios estão fazendo o quê com a CRISPR.

Para Wadhwa, os riscos são tão altos que ele acredita que uma moratória global seja a única via. Mesmo se cientistas desonestos continuarem a realizar avanços com a CRISPR, tal moratória poderia ser tão eficaz quanto a moratória global sobre a clonagem de seres humanos: pelo menos, tais cientistas se tornariam párias internacionais em vez de serem admirados por publicarem artigos em revistas de prestígio.

 

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