Incontestavelmente, INOVAÇÃO é a palavra da vez. Todos a perseguem, passou a ser a urgência entre os empreendedores. A primeira pergunta que me fazem, como consultora de marcas e de design, é: quanto tempo é necessário para se chegar a uma inovação disruptiva?

A ansiedade para se chegar a algo “novo” e “inusitado” ofusca a visão de muitos no entendimento sobre o que realmente seja inovação. A disrupção não é um ponto fixo, é fruto de um processo de inovação que caminha ao longo do tempo envolvendo simultaneamente análise, melhorias e evolução de um produto, ação ou serviço, até o ponto em que se toma outra direção, desenvolvem-se outros processos e até novos mercados, para expectativas não antes imaginadas.

Innovare v. mutare, riformare, rinnovare, mutare uno sistema introducendo quelo di nouvo. Atto ou effetto dell’ innovare: fare, portare un’ in un Sistema.

A palavra inovação vem direto do italiano para o português e significa a busca por melhorias. A busca evolutiva e continuada por melhorias é a base do design. Todo projeto de design deveria buscar a ampliação das capacidades humanas, tanto na comunicação e interação com o meio, como no ganho efetivo de nossas capacidades físicas. As minhas perguntas aos ansiosos por inovação são, primeiramente, sobre qual é a contribuição do empreendimento e qual a melhoria para a vida das pessoas e do planeta. Qual é o sentido da sua entrega? Seu produto/serviço é realmente um benefício? Porque inovação está relacionada com melhoria e, por sua vez, com o processo de design, que propõe e entrega um benefício.

Pensando na atual estrutura competitiva de mercado, a tendência natural dos empreendedores é se voltarem à busca por soluções mais rápidas, mais baratas, mais leves, de menor custo etc., atreladas às novas tecnologias disponíveis.  Não necessariamente a tecnologia é fator imprescindível, mas não se descarta o poder do seu impacto nos processos e sistemas de comércio e produção.

Olhando um pouco para trás para tomar fôlego para o futuro, vale lembrar de um conceito que foi febre na década de 1990 – a reengenharia.

A reengenharia é um conceito de gestão criado pelos americanos Michael Hammer e James Champy, que consiste na análise do fluxo de trabalho de todas as atividades da empresa, tanto no fluxo da informação como nas etapas de produção, almejando melhorar processos, otimizar tarefas, reduzir custos e aumentar desempenho. Essa “filosofia” contribuiu para grandes “cortes” – de pessoal, simplificações de etapas produtivas, redução de material utilizado –, e isso tudo nem sempre resultou em evolução, muito pelo contrário, o resultado, em muitos casos, foram produtos de baixa qualidade, inferiores no acabamento, que passaram a ser oferecidos com a justificativa de ter um preço menor, como se preço fosse o melhor dos benefícios.  Um bom exemplo, contrário a isso, é a marca IKEA, que aliou inteligência projetiva à tecnologia a favor de otimizar a produção. A gigante sueca oferece produtos com design a preço bem acessível. Toda proposta da IKEA é sustentável.

Sustentabilidade é um conceito que tomou conta nas duas décadas seguintes. O grande marco foi a Eco 92, que aconteceu aqui no nosso território. O termo já foi usado com muita confusão. Ora empregado para justificar a forma de garantir os processos das empresas, mesmo que fossem nocivos, ora como princípio do uso de recursos naturais que deveriam ser utilizados com moderação para não comprometer as necessidades das gerações futuras. Em ambos os casos, tanto a reengenharia como a sustentabilidade, os conceitos foram usados para apoiar os sistemas já existentes. Inovação é repensar os sistemas.

O conceito de sustentabilidade é complexo, pois envolve muitas variáveis – dos setores econômicos, sociais, ambientais, energéticos, climático e, ainda, eu incluiria as questões relativas à cultura, que ditam comportamentos importantes de serem observados. Devemos entender sustentabilidade, como uma visão mais holística da atividade humana em sociedade, contrária à conduta “predadora” sobre os recursos naturais do planeta, que permite uma revisão de como o impacto das atividades humanas interferem no meio ambiente, ou seja, devemos repensar nossa existência e ganância.

Sustentabilidade é uma visão sistêmica da vida e das condições do meio como um todo, incluindo os impactos das relações culturais. Como profissional, defendo que todo projeto de design seja pensado dentro dos princípios de sustentabilidade. O que isso significa? Para um empreendimento humano ser considerado sustentável, é preciso que seja:

> ecologicamente correto;

> economicamente viável;

> socialmente justo;

> culturalmente diverso.

Não há inovação – melhoria – sem considerar a sustentabilidade. Inovação deve estar atrelada a propósitos em que todos se beneficiem com a ação. Nos quais haja inteligência no uso e preservação de recursos naturais, ou na criação dos artificiais sem gerar lixo, sem causar poluição e até mesmo sem gerar resíduos. Nos quais toda mão de obra é valorizada e desfruta de benefícios e obrigações de forma igualitária, e principalmente que entendam e respeitem as diferenças culturais e contribuam para a evolução das relações humanas de forma mais empática.

Inovação deve ser sustentável. Antes de buscar por novas tecnologias, a inovação pode ocorrer na revisão de nosso estilo de vida. A sustentabilidade é a tônica de muitos designers, como a designer holandesa Babette Porcelijn, que faz disso seu propósito de vida e até defende que deveríamos comprar apenas objetos e roupas usados. Ela é obcecada em estudar como nosso estilo de vida causa impactos negativos ao planeta.

“Eu queria ter uma visão completa do impacto do nosso estilo de vida ocidental no planeta”, disse Babette a um jornal holandês na ocasião da publicação de seu livro ‘The Hidden Impact’ (2016). Para sua própria surpresa, o maior impacto das atividades do dia a dia no meio ambiente não seria causado pelos carros, pelo aquecedor das casas ou pelo ar-condicionado. “A maior parte da poluição que estamos causando vem da compra de coisas para a casa, gadgets, livros e enfeites”.

Babette esteve em São Paulo em 2017 e eu pude observar seu workshop no WDCD. A atividade consistia em entender e mapear os impactos ocultos na produção de um objeto qualquer de livre escolha de cada um dos grupos formados na sala.  Meu grupo escolheu uma faca de churrasco como objeto a ser analisado.  O minério de ferro bruto, comprado do Brasil, levado de navio para a Ásia para ser transformado em aço, e depois enviado para outra fábrica, na China, para fazer a lâmina,  o envolvimento de toda uma indústria de extração e beneficiamento de madeira para a confecção do cabo, mais a indústria de plásticos e cartonagem para a embalagem e o retorno da mercadoria pronta para o Brasil, envolvendo trem, navio, caminhões, depósitos de distribuição, agências de publicidade e anúncios em mídias eletrônicas e impressas até o descarte da embalagem e depois da faca inclusive, quando esta não servir mais. Ufa! É sempre um processo complexo cheio de etapas, que consomem insumos como água, energia, combustíveis fósseis, além dos necessários para a fabricação da faca.

Os vários grupos, cada qual diante dos objetos escolhidos, tentaram eliminar etapas, repensar a quantidade de materiais utilizados, usar materiais reciclados, promover um processo de produção mais curto e um ciclo de vida do produto mais longo, promover um comércio mais justo, aproximar mão de obra das áreas de extração e até mesmo transformar as embalagens em algo mais durável, como um objeto para a casa, ao invés de ser descartada.

Podemos fazer uma análise e observar que as propostas apresentadas, na curta seção, se encaixavam mais nos princípios de reengenharia ou na visão de sustentabilidade, em que o lixo se transforma em objetos “ecológicos” com vida prolongada até o descarte inevitável, quando a abordagem deveria ser outra. Já passamos por essas etapas e já constatamos que não deram conta do problema. É aqui que entra em cena o conceito que todos almejam, a busca por INOVAÇÃO DISRUPTIVA.

A solução para esta ou qualquer outra demanda por uma transformação positiva, eficaz e evoluída, está na adoção de um pensamento disruptivo. Debruçar sobre um sistema que já está cheio de problemas e vícios e tentar melhorá-lo nos impede de enxergar novos caminhos. Precisamos hoje de novas perguntas, com geração de novas hipóteses para serem testadas. A busca atual envolve uma visão mais holística do futuro.

Quantas facas são necessárias? Eu preciso de facas ou eu preciso pensar em como cortar diferentes materiais de diferentes texturas sem gerar tantos subprodutos, tanto lixo, usar tantos recursos, gastar tanta energia etc.

A busca por inovação não nega metodologias anteriores, ela as engloba e as supera, e, acima de tudo, procura formas de mudar o nosso mindset. Só mudamos o mindset percorrendo novos caminhos.

Para ser INOVADOR, dentro da premissa atual, deve-se ser sustentável e romper com práticas que nos trouxeram até aqui, à beira do esgotamento dos nossos recursos básicos para a vida. Sem dúvida alguma, nossas vidas são beneficiadas com os avanços tecnológicos (você consegue imaginar sua vida sem energia elétrica ou internet?). Dependemos de uma série de sistemas já existentes que podem ser, além de aperfeiçoados, revistos. Vamos recorrer à biologia para nos ajudar a entender a complexidade das interações que estabelecemos entre as partes que compõem um sistema.

As relações ecológicas ou interações biológicas, são conhecidas por simbiose, são os efeitos que os organismos em uma comunidade têm um sobre o outro. No mundo natural, nenhum organismo existe em absoluto isolamento e, portanto, cada organismo deve interagir com o meio ambiente e outros organismos. As interações de um organismo com seu meio ambiente são fundamentais para a sobrevivência deste e o funcionamento do ecossistema como um todo.

Elton, C.S. 1968 reprint. Animal ecology. Great Britain: William Clowes and Sons Ltd.

Dentro de um ecossistema, são encontradas várias formas de interações e tipos de dependência, das mais colaborativas, nas quais a convivência se dá de forma que ambas as partes extraem benefícios, outras em que uma das partes tem benefício sem prejudicar a outra e até casos nos quais uma das partes, para sobreviver e se beneficiar, prejudica a outra podendo levar ao seu esgotamento ou morte.

Se transferirmos essa analogia para nosso sistema econômico e político, veremos que são presentes mais interações nas quais o benefício de uma das partes é prejudicial à outra. E também relações em que, pela ganância, um tenta devorar o outro (canibalismo) e a disputa acirrada entre pares, que acaba prejudicando ambos (competição).

Em termos de INOVAÇÃO, como já vimos, há a necessidade urgente de promover uma revisão, de forma sistêmica e continuada, em busca de benefícios para todas as partes que compõem nosso ecossistema.

Parasitismo – quando o benefício para uma das partes é maléfico para a outra. Já tivemos, na história, vários exemplos desde governos à extração de riquezas.

Comensalismo – o benefício para uma das partes é indiferente para a outra. Compramos inúmeros produtos sem muito avaliar a real necessidade de tê-los e contribuindo, assim, para uma economia que já provou precisar de uma revisão.

Mutualismo – em que o benefício é valioso para ambas as partes. Carecemos de uma economia mais equilibrada. Empresários sempre perguntam como podem fazer inovações para ganhar mais dinheiro e eu pergunto por que é necessário ganhar mais…

A lógica do acúmulo, na qual temos vivido, é predatória. O desafio atual dos empreendedores é estabelecer relações consistentes e duradouras com seu ecossistema particular. Marcas com propósitos claros, com gestão transparente e entregas relevantes, para determinada comunidade que percebe a relevância e o significado na sua entrega, irão prosperar. Empreendimentos que estabelecem vínculos simbólicos e culturais, podem até ser mais lucrativos e longevos.  Esse é um fator primordial, a cultura é o caldo no qual todos esses ingredientes são adicionados.

Trabalhar com inovação requer o olhar atento a sua volta para entender como os indivíduos constroem o seu imaginário e atribuem significado às coisas. De nada adianta uma marca ser a referência europeia em moda e usar mão de obra infantil na Malásia para a confecção de seus produtos, a informação hoje está à distância de um click, e uma reputação construída sobre imagens, e não consistência, vai ruir rapidamente.

Um exemplo bem palpável para esse tema: pesquisas científicas já encontraram evidências sobre a relação do homem com os cães que remontam há 15 mil anos.  Exames de DNA em fósseis e achados arqueológicos apontam para a existência do cão doméstico e sua convivência com os humanos desde essa data. Podemos especular como esse mutualismo começou, já que a relação é benéfica para ambos, os humanos garantem abrigo e alimento aos seus cães, e provavelmente o homem incorporou o cão ao seu convívio como uma ferramenta, contando com a capacidade olfativa e auditiva superior à dos humanos. Em várias culturas, os cães têm desempenhado diferentes tarefas para a vida coletiva. Muitos são empregados como pastores de rebanhos, outros, mais fortes e resistentes ao frio, fazem o trabalho de tração, transporte de cargas etc.

Qual a relação disso com inovação? É importante observar que, nesse relacionamento tão antigo, já aconteceram mudanças de significado. É aí que identificamos os caminhos para a inovação. Até a década de 1970, os cães eram considerados um utilitário, dormiam ao relento e os mais sortudos tinham uma casinha de madeira. Os cães urbanos, em sua maioria, eram adquiridos como guardas-noturnos que morderiam os invasores. No final dos anos 1990, os cães saíram dos quintais e passaram a frequentar as salas, as festas e os passeios familiares. Hoje o cão é adotado como um membro familiar, comemora seu aniversário com festa e brigadeiros. Os obesos frequentam spas e existe à disposição um sem-número de produtos e rações específicas para suas alergias e para uma nutrição extremamente balanceada.

O Pet Chatz é um comunicador que permite ao cão “falar” com seu dono enquanto ele está no trabalho.

A relação ancestral se mantém, o que mudou foi o significado cultural dessa relação. Quem fabricava casinhas de cachorro perdeu mercado, e não adiantará fazê-las agora com materiais nobres ou alternativos, ou com marca de grife, porque esse cão divide um quarto com os humanos, os objetos foram ressignificados.

Outro exemplo: FitBark, um sistema de monitoramento da saúde que inclui a saúde humana e a dos cães com um programa balanceando de dieta e exercícios para ambos.

Para se chegar à inovação, a busca não deve recair sobre os objetos que, até o momento, pertenceram ao universo dos cães, e sim procurar enxergar para onde caminha essa relação entre humanos e seus “companheiros” cães. Hoje um proprietário de cachorro pode almejar levar seu cão para viajar, velejar, passar umas férias na Europa. Há estrutura e toda sorte de acessórios, como existe para os humanos? Primeiro olhe para os lados e, depois, para o futuro e veja todas as possibilidades para inovação.

As mudanças culturais não são fenômenos físicos, são resultantes de intricadas relações, interações, tensões e novas conexões nos espaços de convivência. São resultados de contaminações das disputas sociopolíticas econômicas. É sobre esse complexo de relações socioculturais, que passam por processos de transmissão e transformação a cada geração, que sofrem impacto da tecnologia, que o sistema de signos se afirma ou se renova em determinada cultura.  Inovação está em subtrair todos os componentes óbvios e buscar os significados das relações.

Crédito da imagem da capa: AP Photo / Heatherwick Studio via Risa Heller Communications

 

Cecilia Consolo

Cecilia Consolo é designer, consultora, palestrante, professora e parecerista. Doutora em Ciência da Comunicação pela USP, professora na Pós-graduação de FACAMP, atua como designer e gestora de marcas há mais de 35 anos. Passou por várias empresas nacionais e multinacionais e atualmente é sócia-diretora desde 1987 da Consolo e Cardinali Design e dirige também, desde 2006, o Lab Cognitivo, um escritório voltado ao design research, fornecendo análises referentes à percepção sobre o imaginário das marcas e seus produtos. Ministra workshops e cursos in company para desenvolvimento e inovação de novos produtos e serviços, como também para a definição de essência e posicionamento das marcas. É autora dos livros MARCAS – Design Estratégico e Anatomia do Design Brasileiro, ambos pela Editora Blucher.

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