Visualize por um instante um típico mapa do mundo. Talvez você tenha pensado no mapa político que contem aproximadamente 200 países dispostos ali, alguns minúsculos, outros maiores. Talvez com a impressão de que esses países estão estabelecidos há bastante tempo.

Mas, não é bem assim: Os Estados Unidos existem como tal há menos de 250 anos, e a Itália e a Alemanha há menos de 170 anos  —  um curto período de tempo em uma perspectiva histórica.

A política internacional como conhecemos hoje tem suas bases num marco histórico ocorrido no ano de 1684 — conhecido como Paz de Westfália. Quando as potências européias da época firmaram uma série de acordos de paz e deram as bases para o estabelecimento de relações diplomáticas entre si a partir dali.

O sistema de estados-nação como conhecemos, portanto, existe há alguns séculos, estando menos enraizado na história do que parece. Em tempos de profundas mudanças, como os atuais, isso significa que mesmo esse sistema não está imune a transformações.

Mapa Mundi: Será que continuaremos a enxergar o mundo desta forma no futuro?

Um importante sinal das mudanças que estamos vendo ou prestes a ver é a decisão do governo da Dinamarca de nomear um embaixador dedicado exclusivamente às empresas gigantes de tecnologia. O gesto tem um significado importante: um estado está reconhecendo empresas como entidades em um mesmo patamar que outros estados.

Outra importante tendência para o futuro da política internacional tem a ver com as cidades e como elas estão se tornando cada vez mais relevantes em um contexto internacional de maneira menos dependente dos estados nacionais.

Se os estados-nação são relativamente recentes, tendo sua existência medida na casa dos séculos, as cidades são formas de organização bem mais antigas, com algumas delas tendo sua existência medida em milênios, mostrando o quão resilientes as cidades são diante do teste do tempo.

Neste incrível de vídeo de 1964, Arthur C. Clarke, um dos mais reconhecidos futuristas de que se tem registro, previa com precisão impressionante a internet. Observando que os avanços nas tecnologias de comunicação fariam com que as cidades deixassem de fazer sentido como ponto de encontro.

Embora Clarke tenha acertado em cheio com a internet, as cidades têm se mostrado resistentes às transformações digitais. Desde 2008, em todo o mundo, a população mundial habita em sua maioria espaços urbanos e o percentual de população urbana segue aumentando.

Assim, as cidades acabam acumulando cada vez mais pessoas, empresas e recursos em geral (somente São Paulo representa mais de 10% do PIB brasileiro, por exemplo). E, muito da crescente influência das cidades, vem do constante fluxo de pessoas e recursos entre elas próprias em um ciclo de hiperconexão onde promovem trocas entre si e aumentam a sua influência num aspecto internacional.

Assim, cada vez mais faz sentido olhar o mundo através de mapas de infra-estrutura, que mostram onde nos conectamos, ao invés de mapas políticos que mostram nossas divisões.

Mapa da infra-estrutura mundial: outra forma de ver o mundo na era da hiperconexão (Crédito: Atlas.developmentseed )

Evidentemente que existem forças contrárias a esta tendência. A guinada conservadora vista nos últimos anos, encabeçada por eventos como a eleição de Donald Trump e o Brexit, pautada por um discurso nacionalista mostra que nem todos se sentem confortáveis com um mundo mais conectado e onde identidades nacionais não possuem o mesmo protagonismo de outras épocas.

Essa guinada expõe uma contradição cada vez maior entre interiores pautados em tradições e um maior sentimento comunitário e cidades abertas a diversidade e novos valores, muito bem resumida neste vídeo: Anywheres x Somewheres (Pessoas de qualquer lugar x Pessoas de um lugar específico).

Curiosamente, tal embate pode reforçar ainda mais o protagonismo das cidades no cenário internacional. Diversas cidades americanas reforçaram suas políticas de sustentabilidade após o anúncio de Trump de que os Estados Unidos sairão do Acordo de Paris, demonstrando que podem agir por conta própria mesmo que sua vontade seja diferente daquela dos governos nacionais.

Eleição presidencial dos EUA em 2016 — Pontos azuis representam condados onde Hilary Clinton foi a mais votada. Apesar da predominância vermelha no mapa (e da vitória de Trump), Clinton teve a maioria dos votos, que se concentraram nas grandes cidades.

A votação do Brexit também expôs a polarização entre metrópoles e interior, com o interior inglês votando a favor da saída da União Européia enquanto Londres votou pela permanência. E aí reside uma questão importante para os próximos anos: sendo Londres um dos mais importantes centros financeiros do mundo, a conexão com o maior fluxo de pessoas e recursos possível é importante para a cidade. A resposta de Londres ao Brexit pode nos dar sinais do papel das cidades no futuro.

Existem várias formas de como as cidades podem atuar politicamente no futuro: da maior autonomia a zonas especiais como é o caso das maiores cidades da China, até as cidades-estado como Cingapura, passando pela atuação por iniciativa própria das cidades (de certa forma num ato de rebeldia) como no caso das cidades americanas no embate com Trump.

O maior poder das cidades pode representar também um passo importante para a vida do cidadão no dia a dia. Cada vez mais vemos crises políticas e governos que se mostram distantes da população que deveriam representar. O maior poder das cidades faz com que as pessoas se tornem mais próximas dos governantes e da tomada de decisões.

Independentemente da forma como as cidades vão atuar nos próximos anos, é provável que vejamos uma influencia cada vez maior delas no mundo. Os mapas que mostram as fronteiras dos países farão cada vez menos sentido.

Eduardo Azeredo

Consultor de negócios, gestor de projetos e pesquisador formado em Relações Internacionais. Procura entender o que há de desejável na próxima esquina do futuro para que seja acelerado e o que há de indesejável para criticar com ironia.

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